quarta-feira, 30 de julho de 2008

Era Uma Vez... No Oeste


A merecida badalação em torno do Coringa, personagem derradeiro e inesquecível de Heath Ledger, despertou em mim uma súbita urgência de rever Brokeback Mountain. Queria ver se a dolorida história do amor proibido dos caubóis me emocionaria pela terceira vez (na época de seu lançamento nos cinemas, assisti ao filme duas vezes e me peguei chorando em ambas). Queria, sobretudo, comparar essas duas interpretações tão distintas criadas por um mesmo talentoso ator. De um lado, a brutal repressão dos desejos; de outro, a liberação irrestrita dos mesmos.

Muitas piadinhas já foram feitas a respeito de Brokeback Mountain. É o preço que se paga por desmistificar o último rincão da masculinidade americana: o caubói. Ennis Del Mar e Jack Twist vivem de pastorear ovelhas. Twist por vezes se arrisca em rodeios, no lombo do touro, mas ambos são, basicamente, trabalhadores braçais. Durante um desses trabalhos, na montanha Brokeback do título, os dois se apaixonam após alguns meses de convivência em que o sedutor Jack de Jake Gyllenhaal pouco a pouco vence as resistências do taciturno Ennis de Heath Ledger. Ambos têm dezenove anos e Ennis está prestes a se casar, tão logo a temporada na montanha esteja concluída. A partir deste momento, a trama acompanha vinte anos na vida dos dois.

Brokeback Mountain é um filme tão árido quanto suas paisagens. Seco, de poucas palavras, ausente de juras por um amor que nem deveria estar acontecendo na opinião de Ennis. Não deveria conseguir induzir o espectador a se identificar, mas apesar disso – ou talvez por causa disso – é difícil reprimir um nó na garganta em diversas passagens do longa, que emociona justamente pela força e angústia do não-dito, do não-realizado. Pela busca desesperada em superar um sentimento tão violento quanto inconveniente. Pelo avassalador buraco que a ausência da cara-metade abre no peito dos protagonistas. Aliás, podemos eleger “ausência” a palavra-chave da história. Podemos sentir isso na compulsão que leva Jack a procurar consolo em garotos de programa mexicanos, só para aplacar a dor que sente por Ennis não conseguir assumir a relação deles nem mesmo depois de divorciado.

O argumento essencial de Brokeback Mountain não está restrito ao universo do amor entre pessoas do mesmo sexo. Pelo contrário, trata-se de uma questão de alcance universal. O ponto nevrálgico do filme é ter coragem ou não de jogar tudo pro alto para ficar ao lado de quem se ama. Disposição que Jack parece ter de sobra enquanto Ennis sempre é paralisado por seus horrores. O que leva a outro aspecto bacana do filme, que é o de não vilanizar fatores externos. Claro que existe uma sombra de ameaça no ar, mas Ennis, assim como Macbeth, é seu maior antagonista. Um trauma de infância e o medo de dar um passo irreversível o congelam numa atitude de infeliz resignação. A sociedade e a família, embora presentes, não são determinantes no destino dos protagonistas.

O filme acendeu todas as fogueiras, dividindo opiniões e incomodando os conservadores por conta da abordagem direta da atração entre os rapazes. A seqüência da primeira noite entre Jack e Ennis, além de inesperada, mostra sem pudores o tesão incontrolável que leva Ennis a esquecer, naquele instante de entrega, tudo que ele pensava a respeito de si mesmo. Poucos filmes têm coragem de colocar na tela uma cena assim, totalmente isenta do caricato que costuma estar associado a tal situação.

Por fim, não se pode falar deste filme sem exaltar o talento e disponibilidade de Heath Ledger e Jake Gyllenhaal. Notoriamente heterossexuais, os atores deixaram de lado qualquer acanhamento para viver com entrega cativante esses dois grandes personagens. Heath, em especial, teve uma atuação inesquecível. Ennis Del Mar é um personagem complexo, repleto de contradições e silêncios eloqüentes. E o ator encontrou o ponto de equilíbrio perfeito. Atenção para a cena dele com a filha no trailer, é de cortar o coração. Heath conseguiu sua primeira indicação ao Oscar com esse papel – existe toda uma comoção no sentido de que a segunda, póstuma, venha pelo Coringa. Tomara que dessa vez a indicação de converta em prêmio, já que não haverá uma nova chance de que isso aconteça.

De qualquer modo, Brokeback Mountain é um filme que vale a pena rever. O longa deu ao taiwanês Ang Lee seu primeiro Oscar de melhor direção e só perdeu a estatueta de melhor filme graças à amarelada final da Academia (vocês devem se lembrar da perplexidade da equipe de Crash ao ser anunciada como vencedora). Mas tudo bem. O filme começou sua trajetória vitoriosa no Festival de Veneza de 2005 e, depois disso, conquistou mais de quarenta prêmios por todo o mundo.

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