quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Milk


Quando assisti ao longa O Curioso Caso de Benjamin Button, há algumas semanas, estava certa de ter encontrado meu candidato ao Oscar, tamanho meu deslumbramento com o filme-poesia de David Fincher. Certeza que acaba de ser seriamente abalada graças ao carisma de um homem: Sean Penn. Não que Milk seja um veículo para o ator demonstrar o imenso talento que todo o mundo já conhece. Longe disso. Milk tem qualidades próprias, inquestionáveis. Ainda assim, a figura apaixonante de Penn como o libertário Harvey Milk – primeiro americano assumidamente gay a ser eleito para um cargo público – entra desde já para a galeria das grandes interpretações da sétima arte e serve de plataforma para alavancar ainda mais um filme que já seria muito bom por natureza.

Desculpa, Mickey Rourke. Mas fica difícil cogitar outra pessoa para o Oscar depois de ver Sean Penn nesse papel. Ao contrário de Rourke, Penn desconstrói a imagem que costuma ser associada a ele e seus personagens usuais – truculento, machão, carrancudo, mafioso – para entregar uma performance suave e delicada, mas em nenhum momento óbvia. Como é gratificante ver um ator sumir completamente para fazer emergir o personagem. Penn apresenta um Harvey Milk obstinado e provocador, pero sin perder la ternura. E para nós, brasileiros, que não conhecemos o original, essa fica sendo a imagem definitiva. E a boa surpresa é que o mérito interpretativo vai muito além de Sean Penn, já que todo o elenco prima pela excelência. A ponto de parecer injusto que somente Josh Brolin tenha sido indicado ao Oscar de melhor coadjuvante, já que a honraria seria igualmente merecida por Emile Hirsch e James Franco. Apenas Diego Luna parece fora do tom, mas, como trata-se de um personagem real, fica o benefício da dúvida. Talvez o verdadeiro Jack Lira fosse, de fato, aquela drama queen.

A trama começa em 1970. Milk, prestes a completar quarenta anos, ainda era um funcionário burocrata e homossexual enrustido. Depois de se apaixonar pelo jovem Scott, muda-se com ele para as imediações da rua Castro, em São Francisco, onde os dois abrem uma loja de fotografia. Harvey começa se libertar e mudar de atitude depois de ser hostilizado por um comerciante vizinho e logo descobre o poder que os gays poderiam alcançar se “saíssem do armário” e se unissem. E decide não descansar enquanto não conseguir se eleger para um cargo de supervisor em seu distrito (uma espécie de sub-prefeito). Vale lembrar que isso ocorreu em uma época em que a sociedade americana era extremamente conservadora: pessoas perdiam o emprego por serem homossexuais e até eram presas por frequentar bares gays.

Mesclando ao filme imagens de arquivo e também de um documentário realizado sobre o político, a fotografia saturada e envelhecida faz com que a costura fique harmônica diante dos olhos do espectador. Também é bacana a direção de arte, que recria o clima misto de euforia e repressão dos anos 70 – pura nostalgia ver Harvey Milk dançando ao som de You Make me Feel. Por fim, a direção sóbria e segura de Gus Van Sant dá o toque final nesta produção 100% caprichada. O cineasta finalmente deixou um pouco de lado os exercícios de estilo em cima de uma juventude perdida que vinham caracterizando sua filmografia recente para se concentrar em contar uma história. Verdadeira, tocante, engraçada e, sobretudo, adulta. Resultado? Realizou um filmaço.

Milk estréia aqui em 20 de fevereiro, véspera de carnaval e antevéspera do Oscar.

Um comentário:

  1. Um filme definitivo, sim. Gostei e concordo com seu texto.

    Sean Penn levou seu segundo oscar, um filme, acima de tudo, voraz e emocional!

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