sábado, 28 de fevereiro de 2009

Revendo O Cavaleiro das Trevas


A transposição de Batman para a telona teve altos e baixos ao longo das últimas duas décadas. Batman e Batman – O Retorno, dirigidos por Tim Burton, foram filmes satisfatórios de um modo geral, mas que falharam justamente onde não poderiam: na péssima escolha de Michael Keaton para interpretar o herói. Já os longas seguintes foram entregues ao pau-pra-toda-obra Joel Schumacher e foi aí que a franquia desandou de vez. Batman Eternamente e Batman & Robin são ruins de doer, a despeito de terem atores mais interessantes no papel (Val Kilmer e George Clooney, respectivamente). Passaram-se oito anos após o fracasso do quarto filme para que fosse feita uma nova tentativa. Batman Begins, realizado há quatro anos, resultou em um filme muito bom. O talentoso diretor e roteirista Christopher Nolan resolveu começar do zero – até mesmo para se desvincular de seus antecessores – e voltou às origens do personagem, criando uma excelente versão para os motivos que levam o milionário Bruce Wayne a se desdobrar no sorumbático guardião de Gotham City.

Depois de ter lavado a honra do homem-morcego, era um caminho natural que Nolan continuasse à frente do filme seguinte. Mas o grande desafio quando se realiza uma seqüência que tem um ótimo antecessor vai além de manter o nível de qualidade: é preciso não apenas estar à altura do filme anterior, mas também apresentar algum diferencial em relação a ele. Batman – O Cavaleiro das Trevas alcançou esse feito através das madeixas esverdeadas e da maquiagem borrada do exuberante vilão que se autodenomina o Coringa.

Existe uma corrente de cinéfilos que vê a premiação póstuma de Heath Ledger como uma espécie de condescendência da Academia. Claro que não se pode negar que existe o fator emocional quando um ator talentoso, promissor, jovem e bonito morre logo depois de terminar de filmar um papel que certamente estava destinado a imortalizá-lo definitivamente. É triste e chocante, sim. Agora daí a achar que o Oscar é alguma forma de compensação vai uma grande diferença. Heath Ledger ganharia esse Oscar de qualquer maneira, porque seu mérito como o mais célebre dos inimigos do homem-morcego é indiscutível e insuperável. Nenhum outro personagem foi tão citado, imitado e reverenciado no ano passado.

A trama de O Cavaleiro das Trevas se inicia mostrando os efeitos colaterais de uma cidade que agora tem um defensor: se, por um lado, os pequenos bandidos de Gotham City temem o homem-morcego, por outro os grandes cartéis criminosos reagem à altura ao ter seus interesses atacados. Sem contar que a figura misteriosa de Batman é vista com desconfiança e preconceito, sendo considerado por muitos um justiceiro que age à margem da lei. Bruce anseia pelo dia em que não será mais necessário para a cidade e poderá ter uma vida normal ao lado da amada Rachel Dawes, mas logo compreende que não será tão fácil assim abandonar a persona que criou. Para cada bandido posto na cadeia com a ajuda do comissário Gordon, novos malfeitores aparecem. Sua grande esperança de aposentar a armadura preta surge na carismática figura do novo promotor, Harvey Dent, um homem determinado e incorruptível. Bruce acredita que se Gotham tiver um herói com rosto e identidade, estará livre do fardo que impôs a si mesmo.

Mas um novo elemento vem desequilibrar a luta entre as forças do bem e do mal: ele, o Coringa. Debochado, imprevisível e muito inteligente, o anárquico bandido só segue suas próprias regras. Batman, Gordon e Harvey terão pela frente um desafio que pode lhes custar mais do que suas vidas: é a integridade e sanidade de cada um que está em jogo. Afinal de contas, como manter regras e princípios diante de alguém que não tem limites? Como diz Batman numa cena, o maior prazer que um agente do caos como o Coringa poderia ter seria destruir o melhor deles. Revoltar o justo, corromper o honesto, aliciar o bom.


A performance de Heath Ledger é absolutamente fascinante, ao criar um Coringa diferente de tudo que já foi visto antes. Seguindo uma abordagem bem diversa da loucura cômica eternizada por Jack Nicholson no Batman de Tim Burton, o Coringa de Ledger tem um estilo mais humano e, por isso mesmo, mais aterrador. Ele é, em essência, um anarquista, mas que sabe muito bem o que está fazendo. O mais curioso é que a maldade deliberada e o senso de humor perverso do personagem não conseguem impedir que o espectador se renda a seu charme doentio. É impossível desgrudar os olhos dele durante todo o tempo em que está em cena. Então o tal Oscar póstumo é algo que o espectador de Batman pensa – e endossa entusiasticamente – logo nos primeiros minutos. Dentre tantos momentos memoráveis, destaco o papo faustiano com Harvey Dent no hospital e também o bordão que caiu na boca do povo: why so serious? (“por que está tão sério?”, numa referência debochada à sua própria boca de palhaço).

Embora seja a estrela de Ledger a mais resplandecente, seria até injustiça não comentar o quanto é incrível o restante do elenco. Christian Bale continua sendo o melhor Batman de todos os tempos, ótimo vestido de homem-morcego e melhor ainda posando de playboy inconseqüente na sua faceta Bruce Wayne. Aaron Eckhart desempenha com perfeição a transição de Harvey Dent de paladino da esperança a vilão amargurado. A expressiva Maggie Gyllenhaal assume o papel de Rachel Dawes no lugar de Katie Holmes, que era justamente o único elo fraco no elenco do filme anterior. E a trinca formada por Gary Oldman, Michael Caine e Morgan Freeman... Bom, esses caras dispensam apresentações. Tê-los no elenco de qualquer filme é um luxo absoluto.

Batman – O Cavaleiro das Trevas foi o grande filme de 2008. E ainda teve a característica marcante de ter sido a despedida deste belo e talentoso ator (Heath deixou um filme incompleto, The Imaginarium of Doctor Parnassus, mas o Coringa foi seu último papel finalizado). O filme ganhou outro Oscar além do de Ledger, o de edição de som. Acho uma pena que a Academia tenha preferido indicar a melhor filme um candidato morno como Frost/Nixon e perdido essa chance rara de indicar um longa que casou tão bem popularidade e qualidade.

Um comentário:

  1. Eu gosto bastante do filme, mas tudo graças ao Ledger e ao Caine, que fazem o filme crescer quando estão em cena.

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