domingo, 15 de fevereiro de 2009

Quem Quer Ser um Milionário?


Assim como fazem os concursos de miss, o Oscar deveria ter uma categoria simpatia. Dentre os cinco indicados, geralmente há aquele filme apaixonante, do qual todo mundo gosta, mas que não é considerado “sério” o bastante para ser coroado o melhor filme. No ano passado, esse concorrente foi Juno; no anterior, Pequena Miss Sunshine. Este ano, Danny Boyle conseguiu rechear o produto empolgante com um conteúdo mais profundo e transformou o tal filme simpático em um vencedor absoluto. Pois não tenham dúvidas: Quem Quer Ser um Milionário? vai ganhar essa parada e, com todo mérito, sair da festa cheio de prêmios – incluindo melhor filme e melhor direção.

A abertura do filme nos mostra Jamal Malik, o cão favelado do título original, a apenas uma pergunta do prêmio máximo do programa Quem Quer Ser um Milionário? (aqui no Brasil, o infame Show do Milhão). Uma pergunta surge na tela, essa direcionada ao espectador: como Jamal chegou até ali? a) trapaceando; b) sorte; c) ele é um gênio; ou d) é o destino.

A partir desse questionamento, o filme casa com maestria o momento presente – em que Jamal tem que provar às autoridades que não está trapaceando – com uma série de flashbacks de momentos-chave de sua vida que mostram os caminhos e motivos que o levaram até aquela situação. Criado numa favela, órfão desde pequeno, perseguido por aliciadores de menores, aos tropeços com um irmão que sempre demonstrou péssimo caráter, Jamal nunca teve tempo de sentir pena de si mesmo. Sua única chance sempre foi cair e levantar, não desistir nunca, enfim, o cara é um verdadeiro sobrevivente. Então, como o caro leitor já deve ter percebido, o filme não é sobre suas façanhas no programa de TV, que serve mais como um fio condutor na trama. Sem contar que existe um motivo oculto para sua presença ali, que não tem nada a ver com a possibilidade de ficar rico.

O estreante Dev Patel, que antes desse filme tinha feito apenas alguns episódios de uma série de TV, é quem interpreta Jamal Malik em sua fase adulta. O personagem é interpretado por dois outros atores quando criança e, embora ambas as versões infantis sejam uma graça, é o Jamal adulto que sustenta a história. E que simpatia e carisma Patel esbanja na tela, entregando um personagem que encanta pela determinação e também pela doçura com que enfrenta os reveses. Aliás, todo o elenco, formado por atores indianos desconhecidos para nós, transmite verdade a cada cena. Embora não se possa salientar uma única interpretação de destaque, o elenco como um todo é de uma harmonia rara.


Associada à interessantíssima história, uma trilha sonora esperta e empolgante sublinha com precisão cada cena de impacto. Assim como a montagem precisa e a fotografia perfeita ajudam a emoldurar um cenário que, embora chamativo e exótico, nunca se torna mais interessante do que a trama em si. Não que a Índia não esteja toda na tela, com todas as suas belezas e mazelas. Mas tanto o esplendor do Taj Mahal como a desolação das favelas surgem a serviço da história que está sendo contada e não como um ensaio fotográfico da National Geographic.

O filme também marca a volta por cima do cineasta Danny Boyle, que realizou dois filmaços – Cova Rasa e Trainspotting, que revelaram Ewan McGregor – logo que migrou da TV para o cinema, em 1995, e depois disso nunca fez mais nada digno de nota, oscilando entre o apenas razoável e o constrangedor mesmo. Neste filme, que é puro coração, Boyle se redime de qualquer pecado anterior e se impõe como realizador de um filme terno e feliz. Não no sentido dos personagens não sofrerem e sim no sentido do longa celebrar a vida e o amor, de acreditar na superação de barreiras aparentemente intransponíveis. E nada disso ocorre na tela de modo pseudo-edificante ou careta, mas sim como uma reação espontânea, orgânica. E depois de duas horas, quando chegarem os créditos finais, você, espectador, estará com a alma lavada. Podendo sentir vontade de rir, chorar ou aplaudir. Ou tudo ao mesmo tempo, vivenciando uma bela e verdadeira catarse. Não se espante. É isso que cinema de verdade causa na gente.

2 comentários:

  1. belíssimo filme, estilo Cidade de Deus!

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  2. Odeio finais felizes, porém este foi o final digno para um filme de beleza impar. Estou comovido e feliz por tê-lo assistido

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