sábado, 7 de fevereiro de 2009

O Lutador


Eu nunca simpatizei muito com Mickey Rourke. Acho que ele nunca foi grande coisa como ator e, com o tempo, só piorou. E ainda especializou-se em capitalizar em cima da própria decadência, mantendo um certo orgulho de ser freak. Mas dou a mão à palmatória: restrições à parte, Rourke é o corpo e a alma de O Lutador. Da cara deformada por tanta brutalidade ao físico que oscila entre forte e banhudo, Rourke em cena é o retrato fiel de uma pessoa em fim de carreira – seja ela nos ringues ou na tela. Não é exagero dizer que ninguém faria melhor este papel. O que não quer dizer que eu concorde com sua indicação ao Oscar, muito pelo contrário; o mérito é muito mais de quem escalou o ator do que dele mesmo.

Darren Aronofsky, cineasta de filmes complexos e visualmente ricos como Réquiem para um Sonho e Fonte da Vida, aqui opta pela simplicidade absoluta. Não só pelo fato de ter deixado de lado o apuro estético de suas obras anteriores para mergulhar na breguice do mundo dos lutadores de telecatch, mas também por realizar um bom filme a partir de um fiapo de trama: Randy, “o carneiro”, é um lutador que foi famoso nos anos 80 e ainda mantém alguns fãs e bastante trabalho, apesar de já estar mergulhado na meia-idade. Solitário e decadente, tem nos colegas de ringue sua única família e em uma melancólica stripper seu principal ponto de afeição.

O Lutador não é um filme de surpresas ou reviravoltas. Embora a princípio pareça ser uma espécie de saga edificante ao estilo Rocky, logo o espectador percebe que aqui não valerá a velha fórmula sobre perdedores e segundas chances. Randy está numa curva descendente, não importando muito o quanto ele se esforce para não descer ainda mais. Perceber isso ao longo de toda a projeção e ligar a feiúra e decadência do personagem ao muitos pontos de interseção entre ele e o próprio Rourke é a principal força do filme.

Marisa Tomei, boa atriz que nunca mais acertou na carreira depois de ganhar um Oscar de coadjuvante há quase duas décadas (por Meu Primo Vinny, em 1992), é quem divide a tela com Rourke como a stripper Cassidy. Pode até parecer um dueto de perdedores, mas com a diferença de que Marisa realmente cria uma personagem e se entrega a ela sem inibições. Isso fica evidente em cenas como a que mostra um grupo de rapazes rejeitando-a por ela não ser mais tão jovem. Cassidy é comovente em sua alternância de cansaço com esperança, já que tem um filho e planos de se “aposentar”. E ainda faz um contraste com Randy, que arruinou até mesmo essa possibilidade do apoio familiar. Para completar, uma irreconhecível Evan Rachel Wood morena interpreta a filha com quem Randy tem um relacionamento estremecido e conflituoso.


Outro aspecto interessante é o dos bastidores das lutas, todas armadas e com golpes combinados. Especialmente bacana é a cena em que Randy corta a si mesmo na testa com um pedaço de gilete escondido dentro da munhequeira após um golpe encenado, deste modo levando a multidão ao delírio.

O Lutador é um longa realizado com competência e que extrai o máximo de um argumento simples, que poderia ser resumido em uma linha. Por outro lado, tal história em mãos menos habilidosas poderia ser transformada em um dramalhão apelativo. O corte seco no final deixa claro que a intenção de Aronofsky nunca foi inventar uma solução de última hora e sim questionar até que ponto o sol nasce para todos.

Ah! Uma curiosidade bizarra para a platéia brasileira é a fachada de uma igreja universal que pode ser vista claramente na cena em que Randy e Cassidy conversam em frente a um brechó. Reparem no “pare de sufrir” escrito abaixo do letreiro.

O filme estréia semana que vem, na sexta-feira 13.

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