sexta-feira, 27 de março de 2009

Simplesmente Feliz


Algumas pessoas costumam dizer que rico ri à toa. Ou que alegria de pobre dura pouco. Parece que a sabedoria popular tem como consenso o fato de que a pessoa precisa ter muitos motivos – de preferência, financeiros – para estar de bem com a vida. O novo filme de Mike Leigh defende a tese de que algumas pessoas são felizes e positivas sem nenhuma razão em especial. E que podem incomodar os que estão à sua volta justamente pelo fato de seu otimismo ser gratuito.

Poppy é uma professora primária em Londres. Sua vida não tem nada de especial: é uma assalariada, divide um apartamento com uma amiga e vive os pequenos problemas do dia-a-dia como qualquer ser humano regular. Quer dizer, não exatamente como qualquer um. A grande diferença é que nada consegue tirar o bom humor da moça. Logo no princípio do longa, sua bicicleta é roubada. Após uma breve expressão de contrariedade, Poppy logo se refaz e passa a ver o lado positivo da situação: perder a bicicleta transforma-se numa boa oportunidade de aprender a dirigir.

É então que Poppy encontra seu pólo negativo: Scott, um instrutor de auto-escola tenso e mal-humorado. A princípio irritado com a alegria constante da aluna, o personagem passa para um interesse relutante e também pela desconfiança, vivendo uma montanha-russa de emoções contraditórias. E Poppy em nenhum momento se dá conta do impacto que seu modo de ser causa em Scott. Ao mesmo tempo, ela inicia um relacionamento com o assistente social Tim que, ao contrário de Scott, se encanta logo de cara por seu jeito descontraído e eufórico.


O filme mostra com muita graça e sensibilidade o quanto o “diferente” incomoda. Mesmo o diferente que é positivo, otimista, gente boa, enfim, totalmente do bem. A atitude de Poppy e o modo como ela ama sua vida prosaica é tão rara e tão surpreendente que parece deboche ou inconsequência aos olhos de um amargurado como Scott. Na cabeça dele, alguém assim não pode ser uma pessoa responsável – o que fica claro com o espanto dele ao saber que ela é professora. Vale ressaltar que também o espectador tem essa primeira impressão, que é progressivamente desfeita ao longo do filme conforme vai sendo ilustrado que Poppy tem postura responsável como professora, amiga, irmã, cidadã. O que leva a um questionamento interessante: por que as pessoas associam alegria à irresponsabilidade?

Poppy é defendida com garra e talento inquestionáveis por Sally Hawkins, que não deixa a personagem cair na caricatura (o que é bem difícil, considerando seu figurino bizarro). Sally também imprime uma energia vigorosa, o que evita que Poppy pareça uma mosca-morta conformada. Resumindo: a atriz constrói a personagem na medida certa, e fez por merecer seu Urso de Prata e Globo de Ouro de melhor atriz (e ela certamente merecia ter obtido uma indicação ao Oscar). Mike Leigh, cineasta de filmes mais densos e politizados, surpreende ao realizar esta comédia inteligente e despretensiosa. Um filme simplesmente delicioso.

Um comentário: