quinta-feira, 19 de março de 2009

Gran Torino


Depois de um adiamento de quase dois meses da sua data de estréia original, finalmente chega a nossos cinemas o novo longa do mestre Clint Eastwood. Gran Torino foi um dos grandes injustiçados das premiações deste ano, mesmo sendo um filmaço infinitamente superior ao fraquinho A Troca (que também não faturou prêmios, mas conseguiu maior visibilidade).

Em Gran Torino, Eastwood faz um interessante desdobramento de sua própria imagem na telona ao longo das últimas décadas. Seu personagem, Walt Kowalski, a princípio parece ser um Dirty Harry da terceira idade: um veterano da guerra da Coréia mal-humorado e com uma língua ferina pronta a disparar os maiores insultos racistas. Viúvo, aposentado, solitário e sem nenhuma afinidade com os filhos, que não sabem “o que fazer” com o pai, Walt sente-se cada dia mais isolado. A sensação de estranho no ninho só piora à medida que seu antigo bairro vai sendo “invadido” por imigrantes coreanos. Tudo incomoda o orgulhoso Walt e seu rifle está sempre à mão, mesmo que sua rotina seja composta por atividades simples como beber cerveja na varanda e fazer uma visita mensal ao barbeiro.

Numa noite, Walt surpreende seu vizinho Taoh tentando roubar seu estimado Ford Gran Torino 1972 como prova de iniciação numa gangue asiática. O susto faz o rapaz, que não tem nenhuma propensão criminosa, recuar. Mas seu primo, o chefe da gangue, não fica satisfeito com a dissidência e passa a ameaçar Taoh e sua irmã Sue. Após um incidente em seu próprio gramado, Walt vê-se forçado a sair em defesa do rapaz e torna-se, muito contra sua vontade, um herói para a comunidade coreana de seu bairro. O estreitamento do relacionamento com os vizinhos, e em especial com Taoh, traz de volta para Walt o calor de relação familiar, numa troca de afeto que ele desconhecia desde a morte de sua esposa – como ele diz numa cena, é estranho perceber que tem mais em comum com aqueles coreanos do que com seus próprios filhos.

Gran Torino é parente muito próximo de outro longa recente de Eastwood, o oscarizado Menina de Ouro. Ambos trazem um personagem amargurado e cheio de preconceitos que recobra a afetividade perdida justamente no antigo objeto de seu desprezo. Não deixa de ser curioso notar o paradoxo entre o ódio que o personagem sente pelos estrangeiros e o fato de seu sobrenome evidenciar também ele ser descendente de imigrantes. Outros pontos em comum são a relutância com que o protagonista assume o fardo de ser um herói – de forma menos aberta em Menina de Ouro e bem mais explícita em Gran Torino – e o relacionamento tumultuado que ambos têm com as questões religiosas e os dogmas que a sociedade tenta lhes impor.

Um dos pontos fortes de Gran Torino é o ótimo roteiro escrito pelo novato Nick Schenk, primoroso pela fluência e esperteza dos diálogos, que fazem os maiores absurdos sexistas e raciais soarem fascinantes. E nesse quesito fica bem evidente o quanto é indispensável a presença de Clint no papel principal, já que boa parte da graça vem da imagem prévia que o espectador tem do ator/diretor como uma espécie de “último caubói americano”. Outro trunfo do longa é que quando o espectador acha que sabe exatamente o que Walt fará para deter os marginais que ousaram mexer com ele, a reação do personagem não é bem o que parecia para nós a princípio. E é no desfecho original, porém totalmente plausível, que o filme dá um salto quantitativo. O que até então era apenas um bom filme torna-se algo maior, mais profundo. Um belíssimo tratado sobre dignidade e redenção. O velho Clint está de volta e acertou mais uma vez.

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