segunda-feira, 30 de março de 2009

Ser ou Não Ser?


Ainda não tinha conhecido o novo Oi Casa Grande. Morando na Lapa e, portanto, perto de diversos teatros do Centro que têm bons espetáculos com ingressos a preços razoáveis, confesso que não é qualquer coisa que me seduz a frequentar os nada acessíveis teatros da Gávea, Leblon e adjacências. Wagner Moura interpretando Hamlet é uma delas. Chegando ao saguão do teatro, estranhei o fato do programa da peça ser vendido (afinal, o espetáculo tem patrocínio do Bradesco e os ingressos custam a partir de oitenta reais). Mas o que me chocou mesmo foi o preço: 20 reais. Bonito, papel de qualidade... mas 20 reais? Deixa pra lá, vai ver eu que sou pobre. Vamos à peça.

Hamlet é considerada a melhor e mais profunda peça de William Shakespeare. E olha que eleger o melhor texto de alguém que escreveu pérolas como Macbeth, Otelo, Rei Lear e tantas outras definitivamente não é pouca coisa. Há em Hamlet uma força poderosa que se sobressai à tragédia, às mortes e à vingança: o questionamento profundo vivido por seu protagonista, destacado na famosa máxima “ser ou não ser” – toda a angústia de um homem traduzida em quatro simples palavras.

Trata-se de uma montagem integral, o que significa que o espetáculo totaliza três horas e meia – sendo quinze minutos de intervalo. A tradução, embora fiel ao texto em essência, opta por uma linguagem contemporânea. Decisão que provavelmente agradaria ao bardo, que à sua época teve a ousadia de associar lirismo e refinamento a uma forte veia popular. Aliás, Shakespeare é sempre atual justamente por conta de suas raízes populares e não deixa de ser curioso que hoje em dia ele seja reverenciado como autor erudito e “difícil”. Já algumas questões cênicas como a concepção do fantasma do pai e o excesso de metalinguagem me incomodaram um pouco. Mas, enfim, isso é uma escolha da direção e o assunto vem sendo debatido por gente mais qualificada do que eu (no caso, a erudita crítica de certo jornal e o diretor Aderbal Freire-Filho).

Eu prefiro falar da experiência maravilhosa de ver em cena, de perto, um ator tão completo como Wagner Moura. Admiro o talento desse artista fantástico desde que o vi em Deus é Brasileiro, há cinco anos. Neste curto período de tempo, ele fez (bem) papéis tão diversos como o retirante de O Caminho das Nuvens, o estivador de Cidade Baixa, o hilário apresentador de TV de A Máquina, o ator apaixonado de Romance e, claro, o inesquecível Capitão Nascimento de Tropa de Elite. Mas nenhum desses personagens se compara em termos de criação e construção ao príncipe dinamarquês atormentado por uma vingança que não sabe se deve consumar.

Vale destacar a dificuldade que o papel de Hamlet representa para qualquer ator. Não apenas por sua complexidade, mas também pelo fato de já ter sido representado por muitos grandes atores ao longo dos anos. E Wagner conseguiu criar uma persona diferente de tudo que já foi visto. Seu Hamlet é atemporal em sua descontração e lancinante em suas dores. Profundo e debochado. Deprimido e vigoroso. Afetuoso e insensível. Louco sim, mas numa bifurcação entre a loucura que corrói sua alma de verdade e a loucura encenada que ele usa como tática de desordem. Inquieto, tenso, com um riso nervoso e uma hiperatividade que nos incomoda. E o ator se funde de tal forma com o personagem (nesse ponto, o tom metalinguístico ajuda) que a angústia de Hamlet desorienta o espectador e todos ficam presos a cada gesto e inflexão de voz de Wagner.

Outros destaques no elenco são a boa presença de Mateus Solano (o Ronaldo Boscoli da minissérie Maysa) e a excelente composição de Georgiana Góes como Ofélia, adorável na sanidade e angustiante na loucura – a atriz faz ótima transição entre os dois estados. Mas a peça é mesmo de Wagner Moura. Sua interpretação de Hamlet é de uma entrega como poucas vezes tive oportunidade de ver. Uma grande atuação para um grande texto. Uma dica: ver algo assim é obrigatório para quem é do meio.

A temporada vai até 31 de maio. Sextas e sábados às 20h30, domingos às 19h.

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