quarta-feira, 7 de maio de 2008

Maria Antonieta


“Se o povo não tem pão, que coma brioches”. A frase, atribuída a Maria Antonieta, entrou para a história como um dos mais notórios símbolos de despotismo e indiferença de um governante para com seu povo. No entanto, pesquisas históricas mostram que muito do que ouvimos falar sobre a princesa austríaca que se tornou rainha da França aos 18 anos e foi decapitada pela Revolução Francesa aos 37 não passa de lenda urbana. Incluindo aí a tão famosa frase, que já havia sido atribuída a outros membros da nobreza pelo menos cem anos antes do reinado de Luís XVI e Maria Antonieta.

Acabei de ler há pouco Maria Antonieta, biografia escrita pela inglesa Antonia Fraser que serviu de base para o filme de Sofia Coppola. A autora realizou uma meticulosa pesquisa, que culminou numa visão completamente diferente e humanizada da personagem. No lugar da vilã absolutista, uma adolescente que, aos catorze anos, é empurrada para um casamento arranjado com um príncipe estrangeiro. Uma mera engrenagem num acordo de boa convivência entre a França e a Áustria. Antonieta sempre foi vista com desconfiança na corte de Versalhes pelo simples fato de ser estrangeira e era chamada desdenhosamente de “a austríaca” pelas costas. Acredita-se, inclusive, que o principal fator para que o tímido Luís XVI tenha levado anos até consumar o casamento tenho sido o pavor que sempre lhe fora incutido a respeito dos “ardilosos” e “malignos” austríacos. Um belo dia, seu avô resolve fazer aliança com os antigos desafetos e, de quebra, lhe arruma uma noiva da dinastia até então odiada. Dá para entender a demora para rolar “um clima” entre o casal.

Inadaptada ao ambiente de intrigas e fofocas e entediada com as rígidas normas cerimoniais, Maria Antonieta realmente tinha como principal passatempo gastar dinheiro e fez do desbunde sua marca registrada. Roupas, festas, caprichos, enfim, o sonho da maioria das adolescentes tornado realidade numa escala descomunal. Mas suas extravagâncias apenas seguiam o ritmo de uma corte exuberante, que não só incentivava como exigia uma rainha resplandecente. Mesmo porque como rainha consorte – e não de direito – sua autonomia era muito reduzida.

Com os ventos da Revolução Francesa soprando cada vez mais fortes, Antonieta passa a simbolizar tudo que o povo odiava na nobreza como um todo. Mais uma vez, sua origem torna mais fácil vilanizá-la. Como a adoração pela monarquia ainda estava muito enraizada nos corações franceses, os cidadãos menos radicais ainda tinham resquícios de afeto e respeito pelo rei. Era mais confortável, então, transformar “a austríaca” numa manipuladora que desvirtuava um rei bem-intencionado. A figura altiva e elegante de Maria Antonieta, em contraste com o gorducho e desajeitado Luís XVI, também ajudava a cristalizar essa imagem. Não que isso tenha ajudado muito o infeliz monarca, que, no final das contas, acabou decapitado antes de sua odiada rainha.

O que as pesquisas de Fraser mostram simplesmente é que ambos eram dois jovens despreparados que tiveram o azar de reinar numa época em que a revolta do povo estava num nível onde a explosão seria inevitável. Bodes expiatórios de um sistema prestes a ruir, apenas as pessoas erradas no momento errado. No livro, um contemporâneo da Revolução ilustra bem o clima da época ao declarar seu espanto com o fato de justamente o rei mais pacífico e bonachão que a França já teve acabar na guilhotina. Vale lembrar que seus antecessores, o absolutista Luís XIV (aquele do “O Estado sou eu”) e o devasso Luís XV, tiveram reinados longos e inquestionados.

Um livro revelador e impactante, com uma linguagem bastante simplificada, que certamente mudará a visão sobre o tema dos que o lerem. E o mais curioso é perceber que a maior parte das intrigas, traições e hipocrisias descritas em Maria Antonieta não são exclusividade da Corte de Versalhes e nem do século dezoito.

2 comentários:

  1. Olha, não gostei do filme, mas, obviamente o livro deve ser muito melhor. Vou procurar ler...

    Abraço!!!

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  2. É muito diferente sim, mesmo porque a Sofia usou o livro como respaldo apenas para a parte histórica. Sem contar que, ao contrário do filme, o livro conta toda a vida da Maria Antonieta, do nascimento à execução.

    Eu não chego a desgostar totalmente do filme, mas achei que ele ficou a meio caminho entre ser um drama convencional e mergulhar fundo na abordagem pop (o que poderia render algo no estilo Moulin Rouge).

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