sábado, 24 de maio de 2008

Zona de Guerra


Como bem disse Sartre em sua peça Entre Quatro Paredes, “o inferno são os outros”. Confine algumas pessoas, submeta-as a uma situação de tensão psicológica e... voilà! Não é preciso diabo nem tridente para que elas cometam as mais condenáveis ações. Tese que podemos comprovar em Zona de Guerra, premiada montagem do texto de Eugene O’Neill que levou o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) de melhor espetáculo em cartaz em São Paulo durante o ano de 2006 e fez grande sucesso no Festival de Curitiba do ano passado. Demorou, mas a peça finalmente chegou ao Rio para curtíssima temporada.

Zona de Guerra se passa no alojamento da tripulação de um navio inglês durante a Primeira Guerra Mundial. Numa madrugada, o marinheiro Smitty esconde uma misteriosa caixa preta sob seu colchão sem perceber que estava sendo observado pelo desconfiado Davis. Ao serem informados de que entraram em zona de guerra enquanto dormiam, o medo se instala no coração de todos, agravado pelo fato do navio transportar armas clandestinamente. A tensão ganha nova dimensões quando Davis conta aos outros marinheiros o segredo de Smitty e convence-os de que ele seria, na verdade, um espião alemão.

A peça integra o projeto Homens ao Mar, da Companhia Triptal, que contempla a montagem dos quatro textos escritos por O’Neill entre 1914 e 1917 e que compõem o chamado “ciclo do mar” do autor, por terem sido baseadas em sua experiência na marinha mercante. São elas: Rumo a Cardiff, Zona de Guerra, Longa Viagem de Volta pra Casa e Luar Sobre o Caribe.

Ao entrar no espaço, o espectador já pode sentir a atmosfera tensa que irá permear todo o espetáculo. Um pouco de fumaça, barulho de mar revolto, uma música que lembra tambores de guerra. Tudo já causa forte impressão. Ao se apagar a luz de platéia e iluminar o palco, nos deparamos com os atores formando uma espécie de escultura humana que passa uma imagem ainda mais tensa e violenta. Desde já, impressionam as marcas perfeitas e o excelente trabalho de corpo do elenco.

Com que rapidez somos colocados dentro da rotina daqueles homens do mar que, a despeito da dureza do seu dia-a-dia, encontram-se tão fragilizados e solitários que uma simples suspeita assume contornos trágicos. Esse estado de alerta constante é reforçado pelos ótimos efeitos de luz e som, associados a uma precisão coreográfica que faz com que o funcionamento do navio lembre uma engrenagem. Não por acaso, os personagens têm modos muito parecidos. A exceção é Smitty: ele é o diferente. Enquanto seus companheiros representam arquétipos do marinheiro, ele parece ter outro modo de se vestir e de falar. Como sempre dizem por suas costas, “ele nem parece inglês”.

E, desde que o mundo é mundo, ser diferente faz de uma pessoa o alvo perfeito para bode expiatório de uma situação. Com que direito aquele homem mais limpo e mais educado do que eles se dá ao luxo de esconder um objeto dos demais? Narrando assim, parece absurdo. Mas pessoas dominadas pelo medo não costumam primar pela coerência e nada melhor para aliviar a histeria generalizada do que transformá-la em ódio pelo elemento dissonante. Zona de Guerra é um belíssimo espetáculo, que mostra com verdade e pungência como é frágil o verniz de civilização que cobre o ser humano.

Zona de Guerra (In the Zone, de Eugene O’Neill). Direção e adaptação: André Garolli. Elenco: Roberto Leite, Guilherme Lopes, Bruno Feldman, Kalil Jabbour, Daniel Ribeiro, Wagner Menegare, Pepe Ramirez, Alexsandro Santos e Reinaldo Taunay. 60 minutos. Teatro de Arena da Caixa Cultural (Av. Almirante Barroso, 25 – Centro). Quarta a Domingo, às 19h30. R$ 10,00. Até 01 de junho.

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