sábado, 17 de maio de 2008

5 Frações de uma Quase História


5 Frações de uma Quase História é um filme composto de cinco tramas independentes que em algum momento se entrecruzam – um estilo ainda pouco utilizado em filmes brasileiros –, com cada segmento sendo dirigido por um cineasta diferente. Para compor o longa, foram selecionados textos de três autores brasileiros (Qualquer Vôo, conto de Yury Hermuche; ZYR-145, peça curta de Gero Camilo; e A Liberdade de Akim, conto de Paulo Leônidas). As outras duas histórias, O Magarefe e Título Provisório, foram escritas especialmente para o filme pelo roteirista Cristiano Abud.

Na primeira história – a melhor de todas –, Leonardo Medeiros interpreta um fotógrafo podólatra que pretende levar sua obsessão particular para o trabalho ao montar uma exposição apenas com fotos de pés. Antes de mais nada, é muito interessante ver o sempre ótimo Leonardo Medeiros num papel totalmente diferente de tudo que ele já interpretou. Normalmente visto em personagens densos e dramáticos, é incrivelmente engraçado vê-lo num tipo que chega a ser farsesco em sua obsessão sem limites. Ao mesmo tempo, o ator consegue dar uma dimensão tão humana à tara incontrolável do personagem que faz com que o espectador se solidarize com seu drama. Destaque para a cena no consultório da terapeuta, que parece não ter a mínima idéia do estado em que seu paciente se encontra. Bem sacado também é o uso da fotografia em P&B, que remete ao universo da fotografia.

Depois dessa viagem fetichista, acompanhamos outra estranha viagem: a de um homem que se imagina vivendo personagens e situações que vê na televisão. Sem dúvida esta é a mais fraca das cinco histórias, por ser excessivamente lisérgica e destoar do resto do filme. Vale pelo caráter experimental e estético, mas, neste trecho, o espectador tem que se concentrar para não perder o contato com o longa. Ficam como destaques a montagem esperta e o passeio surrealista por diferentes recantos de Belo Horizonte.

No terceiro segmento, Akim é um funcionário de um tribunal que leva uma vida monótona até o momento em que recebe um telefonema do juiz da vara onde trabalha. Naquela noite, ele recebe a oferta que pode mudar sua vida: três milhões de dólares em troca de alguns anos de cadeia. Muito interessante como o juiz interpretado por Jece Valadão – embora não seja sua última imagem nas telas, foi o último personagem que ele completou – vai aos poucos seduzindo o tímido Akim e subvertendo a consciência do rapaz até que ele esteja 100% comprometido com essa troca faustiana. A surpresa final da história é a cereja que coroa esse sundae deliciosamente amoral.

A quarta história nos apresenta Antonio, funcionário de confiança que é sempre o último a sair do frigorífico onde trabalha. Mas o pacato cidadão entra em crise quando sua esposa começa a tratá-lo com indiferença. Essa história, embora bem realizada, peca pela falta de originalidade. O espectador consegue adivinhar quase tudo que vai acontecer alguns minutos antes que o fato seja mostrado na tela. Sem contar que tem um detalhe que lembra demais o recente Estômago, com uma diferença: no longa de Marcos Jorge o que acontece é surpresa total. Aqui não.

Para fechar, temos a segunda melhor história. Lúcia é uma secretária que acaba de sofrer uma desilusão amorosa. Solitária e desesperada, marca um encontro às escuras com um homem que conheceu através de um programa de rádio. Ao encontrar Beto, um aproveitador que só pensa em levá-la para um “lugar mais reservado”, a decepção de Lúcia é tão grande que ela resolve deixar claro que não está para brincadeiras. É muito legal quando uma história começa com um tom e muda para outro sem que isso soe gratuito ou forçado. E esse segmento final transita do dramático para o cômico com uma fluidez impressionante, graças à interpretação inspirada de Cynthia Falabella (irmã da Débora) e Murilo Grossi. Só é uma pena que o cartaz do filme entregue logo de cara o momento de virada da história, pois seria bem mais engraçado se o espectador não soubesse disso. E já que está no cartaz... eu acabo "entregando" aqui na foto também.

5 Frações de uma Quase História, no geral, é um filme muito, muito legal. É claro que não se pode exigir de um filme dirigido por seis pessoas (um dos episódios tem dois diretores) uma linearidade dramatúrgica. E talvez essa seja justamente a graça desse tipo de filme: um somatório de diferentes olhares. Sem contar que esse grupo de realizadores mineiros chega para reforçar uma mentalidade que a cada dia ganha mais adeptos: a de que é possível sim fazer cinema de qualidade sem contar com as grandes corporações.

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