quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Baarìa


Acredito que seja uma das coisas mais complicadas da vida profissional quando um cineasta realiza um grande filme logo no início de sua carreira, já que todo seu trabalho posterior será inevitavelmente comparado com aquele sucesso. Vejam o caso de M. Night Shyamalan, que tenta há uma década fazer algo tão bom quanto O Sexto Sentido. OK, péssima comparação. Giuseppe Tornatore é bem mais talentoso, mas também sofre do trauma de não ter conseguido superar sua obra-prima, o inesquecível Cinema Paradiso. O longa, segundo de sua filmografia, venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1990 e tornou o diretor siciliano internacionalmente famoso.

O cineasta realizou alguns filmes belíssimos depois disso, como os pouco vistos e igualmente líricos O Homem das Estrelas e A Lenda do Pianista do Mar. Também fez alguns thrillers interessantes, como Uma Simples Formalidade e A Desconhecida. E não nos esqueçamos de Malena, filme que transformou Monica Bellucci em sex symbol mundial. Ou seja, Tornatore possui uma filmografia muito bem-sucedida. Mas embora todos os citados sejam bons filmes, nenhum deles foi capaz de alcançar a dimensão mítica de Cinema Paradiso.

Certamente vem daí, da ânsia de superação, a raiz deste Baarìa. É palpável a intenção do cineasta de criar com este filme um épico definitivo. O que ele até consegue em alguns momentos, mas não no todo. O que equivale dizer que é um filme esteticamente bonito, bem dirigido e até emocionante em algumas passagens... Mas ainda não foi dessa vez que Tornatore se livrou de seus fantasmas. Considerado por ele mesmo como seu trabalho mais pessoal e parcialmente autobiográfico, Baarìa é um mergulho na alma siciliana que atravessa três gerações de uma família da Bagherìa, vilarejo situado próximo a Palermo, começando no patriarca Ciccio, passando para seu filho Peppino e seu neto Pietro.

A saga se inicia na década de 30, quando Ciccio é um jovem pastor rude e apaixonado pelos romances e poemas épicos. Já as injustiças e empobrecimento trazidos pela Segunda Guerra Mundial fazem com que o filho Peppino descubra sua vocação política e se apaixone ao mesmo tempo pelo comunismo e por uma jovem cuja família desaprova tais tendências esquerdistas. A trama acompanha não apenas os personagens e suas famílias, mas toda a comunidade até a década de 80. Embora a história se detenha por mais tempo em Peppino, é a região da Sicília a verdadeira protagonista do filme. O título é nada mais do que o nome Bagherìa (terra natal do diretor) no dialeto regional.


O filme tem uma cronologia interessante, que faz uma ligação mística entre passado e presente através do garotinho da primeira cena e seu poético voo pelos ares (ligação que só será conectada à trama ao final do filme). Nesses momentos, o filme realmente alcança um patamar mais elevado. Seu grande problema está em não conseguir manter o mesmo nível de encantamento ao longo de seus 150 minutos de duração. Não que o ritmo de Baarìa seja arrastado; pelo contrário, a história até flui com bastante eficácia. O que incomoda é mais uma questão de falta de foco quando observamos o longa como um todo.

É bem verdade que Tornatore parece ter optado por mostrar os personagens mais como arquétipos da alma siciliana. Ainda assim, tal decisão por vezes passa uma sensação de – como dizer? – frouxidão. Também se percebe uma preocupação excessiva do diretor em dosar milimetricamente o drama e a comédia, como se houvesse uma obrigação de manter esse equilíbrio a todo custo. No final das contas, fica uma estranha impressão de que Tornatore se preocupou tanto em fazer um filme perfeito que acabou perdendo a espontaneidade, ternura e vivacidade que sempre foram diferenciais em sua obra. Ou seja, acabou traindo a própria essência siciliana que visava retratar.

Mas nenhuma dessas especulações explica o fato de Baarìa ter sido recebido com tanta indiferença no Festival de Veneza. Filosofias à parte, ainda assim trata-se de um bom filme. A parte visual impressiona, com sua fotografia em tons de terra, e a trilha sonora do maestro Ennio Morricone, como sempre, é uma atração à parte. Não é a obra definitiva que o cineasta sonhou e os fãs queriam, mas é um longa competente e que não merecia ter sido esnobado do modo como foi. É claro que o fato do premier Silvio Berlusconi ter rasgado elogios à produção deve ter sido um grande desserviço para o filme. Pobre Tornatore!

Por fim, uma curiosidade: quase todas as fichas e sinopses sobre Baarìa colocam Monica Bellucci à frente do elenco, quando a atriz faz o que é creditado como “aparição especial”. E creiam-me: é uma aparição mesmo. O espectador que não estiver muito atento nem vai perceber.

2 comentários:

  1. Então, postei um texto sobre o filme no blog também. Gostei. Acho que a carreira do Tornatore ganha novo fôlego, depois de um pequeno embuste (A Desconhecida não me pegou). Tô louco pra rever.

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  2. Eu li teu texto, e percebi que você gostou do filme mais do que eu. A Desconhecida é um filme estranho, mas experimental (e experimentar é sempre válido). Já do Baarìa eu esperava demais, tava muito ansiosa desde o ano passado, e aí a decepção foi meio inevitável.

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