quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Segredo da Rua Ormes


Yannick é calouro do curso de cinema e acaba de se mudar quando está andando de bicicleta pela pacata Rua Ormes do título e leva um tombo feio. Machucado e com o celular avariado, pede para usar o telefone da casa da família Beaulieu e acaba sequestrado pelo patriarca Jacques Beaulieu, um psicopata que se considera portador da missão divina de punir os injustos. Yannick torna-se prisioneiro da casa onde também vivem a esposa submissa Maude, a filha adolescente Michelle e a caçula Anne, criança seriamente abalada pela insanidade familiar. Jacques vê-se num impasse: não quer matar Yannick porque ele não é um dos seus “injustos”, mas tampouco pode deixá-lo ir embora. Jogador invencível de xadrez, por fim resolve educar o rapaz através de suas repetidas vitórias e, assim, provar que está certo.

Um interessantíssimo painel da loucura familiar, baseado na sempre polêmica discussão sobre a subjetividade da justiça. Jacques não se considera um marginal e sim um pai de família que educa as filhas dentro de estritos códigos morais norteados por sua regra de ouro: matar apenas os maus e, mesmo assim, sem aplicação de violência desnecessária. Civilizado, não? Lembra, sob vários aspectos, a personagem de Catherine Keener em Um Crime Americano, que também se julgava justa e sustentava estar apenas educando sua vítima. É a presença de Yannick que põe em perigo essa fantasia e faz com que cada um dos Beaulieu, incluindo o próprio Jacques, questione os alicerces daquela estrutura familiar.

Mas se Yannick altera a harmonia dos Beaulieu, em contrapartida também é afetado pela convivência forçada com Jacques e sua retórica sobre vencedores e perdedores. Com o tempo, não basta para Yannick saber que aquilo é errado; ele precisa que Jacques o admita. Precisa dobrá-lo, superá-lo, algo que nunca conseguiu com o próprio pai. É esse desdobramento que coloca o longa num patamar acima, indo além do mero jogo de gato e rato e embarcando numa viagem psicológica mais profunda. O duelo entre os ótimos Marc-André Grondin (do cultuado C.R.A.Z.Y.) e Normand D’Amour em torno do tabuleiro de xadrez, numa clara menção ao clássico de Bergman O Sétimo Selo, é muito bem conduzido, aumentando progressivamente o suspense por aqueles jogos de vida e morte conforme a sanidade mental de Yannick também é posta em xeque. É uma pena que a direção tenha se excedido um pouco conforme o filme se aproxima do desfecho, transformando a parte final em um freak show um pouco desnecessário.

O Segredo da Rua Ormes (5150, Rue des Ormes), de Éric Tessier. Canadá, 2009. 106 minutos. Mostra Expectativa 2010

Nota: 8,0

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