segunda-feira, 14 de abril de 2008

Batismo de Sangue


Já está disponível em DVD um filme simplesmente obrigatório: Batismo de Sangue, produção baseada no livro de memórias homônimo de Frei Betto - o livro, que já se encontra na 18ª edição, ganhou o Prêmio Jabuti em 1985.

Em São Paulo, no final dos anos 60, um grupo de frades dominicanos passa a apoiar a luta contra a ditadura. Movidos por seus ideais pacifistas, os freis Betto, Fernando, Ivo e Tito logo se tornam visados pela polícia por conta de seus contatos com o guerrilheiro Carlos Marighella, líder da ALN (Ação Libertadora Nacional). Uma vez presos, Tito é o que sofre as mais terríveis humilhações e torturas. Algum tempo depois, contra sua vontade, ele é mandado para o exílio juntamente com outros presos negociados em troca do embaixador suíço Giovani Bucher. Mas seu calvário não termina com a libertação, já que mesmo longe do Brasil Tito tem pesadelos constantes com seus carrascos. No auge do desespero e desorientação, comete suicídio.

Frei Tito de Alencar Lima tornou-se um símbolo de resistência e luta pelos Direitos Humanos quando seu impressionante relato dos porões da ditadura foi contrabandeado para fora da cadeia e posteriormente publicado na revista Look. Há muitos anos que o cineasta Helvécio Ratton - diretor de O Menino Maluquinho (1995) e do premiado Uma Onda no Ar (2002) - tem interesse em contar essa história: "Esta tragédia sempre me impressionou. Como um jovem de apenas 28 anos de idade pôde ser tão afetado pela violência a ponto de não conseguir recompor a própria vida mesmo depois de se ver livre de seus algozes", comentou o cineasta.

A desconstrução por que passa frei Tito é tão comovente justamente por ser ele um personagem tão otimista e sensível. Há uma ingenuidade romântica em sua obstinação em defender os oprimidos que contrasta de modo brutal com o rapaz arrasado psicologicamente após três dias de tortura ininterrupta. O resultado é que vemos diante de nós a destruição não apenas de um ideal mas também de um ser humano. O filme impressiona pela crueza das cenas de tortura, embora a selvageria das imagens nunca seja gratuita e sim uma necessidade de ilustrar o terror que aquelas pessoas vivenciaram.

O elenco é muito bem escolhido, com destaque especial para Caio Blat como Tito e Cássio Gabus Mendes como Fleury. Blat, sempre relegado a segundo plano na grande mídia, apresenta uma atuação impecável. Sua composição de Tito é sensível e delicada, o que só torna mais chocante sua descida ao inferno. Já a performance de Gabus Mendes parece anunciar uma mudança de rumo em sua carreira. Sempre estereotipado como bom moço, o ator se transforma radicalmente para personificar a verdadeira encarnação do mal. Também não se pode deixar de destacar o talento e carisma de Léo Quintão e Odilon Esteves (freis Fernando e Ivo, respectivamente), estreantes na sétima arte. Um belo batismo para ambos. E para quem não está ligando o nome à pessoa, Odilon pôde ser visto há pouco na TV como a Cíntia da minissérie Queridos Amigos.

Batismo de Sangue joga luz sobre mais um vergonhoso capítulo da história recente do país. Assim como ocorre em outras produções recentes, como Zuzu Angel, o longa evidencia o grau de histeria a que chegou a mão pesada do totalitarismo e faz parte de um rol de filmes que deveriam ser vistos hoje e sempre para lembrar aos desavisados que ninguém nem nada está imune à barbárie quando se vive num regime de terror. A reação desproporcional que sofriam os dissidentes, mesmo os que praticavam uma resistência pacífica como foi o caso dos dominicanos, é simplesmente grotesca. E o temível delegado Fleury não foi um caso isolado. Pelo contrário, não passa de um símbolo dos requintes de sadismo a que chegavam os agentes da repressão - abomináveis executores a serviço de uma sociedade que absolvia e legitimava suas ações.

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