sábado, 5 de abril de 2008

O Estranho Mundo de Tim Burton

Existem inúmeros grandes cineastas. Eu mesma tenho uma lista extensa: Pedro Almodóvar, Woody Allen, David Lynch, Billy Wilder, Roman Polanski... Todos grandes ícones, embora nenhum desperte mim a adoração irrestrita que sinto por Tim Burton. Obviamente existem realizadores mais importantes, mas cinema também é identificação e, nesse quesito, o californiano Timothy William Burton não tem concorrentes.

Nascido em 1958, Tim Burton gostava de desenhar desde criança e sempre foi fascinado pelos filmes clássicos de horror. Estudou numa escola de artes, graças a uma bolsa oferecida pela Disney, iniciando lá sua carreira como aprendiz de animação. Após participar da criação de alguns filmes (mas sem ter seu nome nos créditos), teve sua primeira oportunidade no curta Vincent. Nesse desenho de seis minutos em P&B, Burton presta uma homenagem a seu ídolo Vincent Price (que atua como narrador), além de já demonstrar tendência pela estética gótica que o tornaria famoso. Apesar do relativo sucesso, o jovem talento logo entendeu que o padrão Disney estava longe do tipo de filme que ele pretendia realizar.

Seu primeiro sucesso veio alguns anos depois, com a comédia de humor negro Os Fantasmas se Divertem. Foi, então, escolhido para dirigir a aguardada versão para o cinema de Batman. O resultado causou controvérsias e esteve longe de ser uma unanimidade, mas não se pode negar que o cineasta realizou um longa estiloso e marcante, assim como sua seqüência - não se pode dizer o mesmo dos filmes seguintes realizados pelo burocrático Joel Schumacher.

Em Edward Mãos de Tesoura, Tim Burton iniciou a parceria com um ator que também demonstra ter uma queda por produções pouco usuais: Johnny Depp. Funcionou tão bem que eles fizeram seis filmes juntos até agora: Ed Wood - que Burton considera seu projeto mais pessoa e eu considero o melhor filme da dupla - A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça, A Fantástica Fábrica de Chocolate, A Noiva-Cadáver e Sweeney Todd. Durante as filmagens do remake de O Planeta dos Macacos, Burton iniciou outra bem-sucedida parceria, desta vez amorosa, com a atriz Helena Bonham Carter. Eles namoraram, casaram, tiveram um filho e seguem trabalhando juntos. Olhando o casal, percebe-se que foram feitos um para o outro. Helena, além de ótima atriz, é uma figura tão exótica quanto as criações de seu marido.

Alguns aspectos são constantes na obra de Tim Burton e já viraram uma assinatura do seu estilo: estética dark, direção de arte arrojada e um certo humor negro mesclado a temas infantis como Natal ou Halloween. O Estranho Mundo de Jack, por exemplo, faz uma bisonha mistura de ambos. OK, Burton não é creditado como diretor e sim como roteirista e produtor… Mas alguém realmente considera que esse filme foi dirigido por Henry Selick?

O trabalho mais recente de Burton, Sweeney Todd, passou pelas telas brasileiras neste começo de ano. Embora até então desconhecida por aqui, a lenda sobre um certo barbeiro que mataria seus clientes e os transformaria em recheio de tortas remonta ao final do século XIV, na forma de uma balada francesa que as mães usavam para amedrontar filhos desobedientes – uma versão medieval do bicho-papão. Só em 1846 Sweeney Todd aparece por escrito, como personagem de um folhetim chamado The String of Pearls e logo o sangrento personagem ganha os palcos (e posteriormente também as telas). Em 1973, Stephen Sondheim assiste, em Londres, à versão teatral mais famosa até então e imagina transformá-la num musical, ambição que realiza seis anos depois. E agora o barbeiro demoníaco de Fleet Street ganha definitivamente o mundo pelas ousadas mãos de Tim Burton.

Em sua versão para a telona - calcada no musical de Sondheim -, o assassino ganha ares de herói trágico. Assim como o Conde de Monte Cristo, Sweeney Todd era uma homem pacato até ter sua vida feliz destruída por uma condenação injusta. O motivo? O desejo de um juiz corrupto e poderoso por sua bela esposa. A história começa quando Todd, já transformado pelo desejo de vingança, retorna a Londres e trava amizade com a decadente Sra. Lovett que, esperançosa em conquistá-lo, se torna sua cúmplice. A trama de Sweeney Todd casa tão bem com o estilo de Tim Burton que chega a ser difícil conceber que não seja uma história original. Que o filme seria primoroso em termos visuais ninguém tinha dúvidas. Mas parecia estranho pensar na junção de tão tenebrosa trama com o gênero musical, geralmente associado à leveza e beleza. Afinal de contas, trata-se de um musical regado a litros e litros de sangue. Sweeney Todd é um filme sombrio, sinistro, mergulhado em sangue e humor negro, mas, ao mesmo tempo, com ares operísticos e um exagero estético que torna toda aquela carnificina meio falsa (no bom sentido). O resultado é uma jóia barroca que só poderia mesmo ser dirigida por Burton e protagonizada por Johnny Depp. Muito bem coadjuvado, é claro, pela ótima Helena Bonham Carter (não por acaso a senhora Burton). Ou seja: todo o projeto está entre amigos e não poderia estar em melhores mãos. E não nos esqueçamos de que o elenco ainda dá conta de cantar, e muito bem. Destaque também para as criativas letras, em especial a que fala sobre a qualidade (ou falta dela) das tortas da Sra. Lovett.

Sweeney Todd foi indicado a três Oscars: ator, figurino e direção de arte. Ganhou apenas o último e a Academia perdeu mais uma ótima oportunidade de fazer justiça ao incrível Johnny Depp, que, além de compor seu personagem com a genialidade habitual, ainda se revelou um intérprete interessantíssimo também na parte musical. Também foi uma grande injustiça o longa ter ficado de fora das categorias melhor filme e direção, ainda mais considerando a inclusão de um filme mediano como Conduta de Risco. E Helena Bonham Carter bem que poderia ter ficado com a vaga da Cate Blanchett, indicada por um repeteco do mesmo papel pelo qual já havia sido indicada em 1998 (Elizabeth). Mais um capítulo da longa história da má-vontade da Academia com Tim Burton.

7 comentários:

  1. Belo texto.
    A academia parece estar sempre redimindo-se de equívocos passados.
    Scorsese poderia ter ganho o Oscar de melhor diretor por "Touro Indomável" ou "Os Bons Companheiros". Os Coen poderiam ter ganho por "Fargo". Foram agraciados por obras mais singelas. Burton nem indicado foi, preferiram indicar justamente o único problema de "Juno", o diretor Jason Reitman.
    Daqui uns anos eles reconhecem Burton por um longa não tão bom.

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  2. Pedro,

    Acho que o Jason Reitman até merecia mais a vaga do que o Tony Gilroy (Conduta de Risco), esse sim um filme de direção inexistente.

    Quanto ao Tim Burton, outro grande exemplo desse descaso é o absurdo dele não ter conseguido vencer nem na categoria animação quando A Noiva-Cadáver foi indicado. Um filme desse nível perder para Wallace & Gromit foi um pouco demais até para a Academia. Acho que é o tipo de gênio que só será reconhecido após sua morte.

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  3. Taí uma coisa que temos em comum. Sou fã de carteirinha de Tim Burton. Um dos filmes que mais gosto dele é Peixe Grande.
    Mas confesso que até hoje não vi Ed Wood e me envergonho por isso.
    Acho que vou corrigir esta falha neste fim de semana.

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  4. Está muito pessimista Erika, o reconhecimento de Burton e de Depp por parte da Academia virá antes de suas mortes; não que necessitem deste reconhecimento tb. A falta do Oscar até o ano passado não fez de Scorsese um diretor menos consagrado.
    Mas sobre o Oscar deste ano, como bem sabe, não acho que os prêmios tenham sido injustos. Acho que não tinha como tirar o prêmio do Day-Lewis, nem dos Coen. Talvez a injustiça tenha sido a não indicação do Burton, mas seria apenas uma falsa espectativa pois acho que não teria chance em um ano tão disputado. Temos que lembrar que Sean Penn também ficou de fora apesar do belíssimo Na Natureza Selvagem (tb acho q cabia uma indicação para Emile Hirsch - talvez no lugar do Tommy Lee Jones). Acho que Sweeney ficou de fato com o prêmio que mais merecia, direção de arte (que ainda tinha a concorrência pesada de Desejo e Reparação).

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  5. Eu sei, Lucas, que a indicação seria mais para constar. Mas minha implicância maior é com o fato da inclusão de Conduta de Risco e seu diretor ter deixado de fora filmes superiores como Sweeney Todd, Na Natureza Selvagem, Senhores do Crime, Hairspray, etc.

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  6. Assisti a Ed Wood ontem. Um bom filme, mas ainda fico com Peixe Grande.

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  7. Ed Wood, além de ótimo filme, tem importância histórica. Não apenas por resgatar a biografia dessa figuraça, mas também por recriar o ambiente dos estúdios da década de 50, os filmes "B", a decadência de Bela Lugosi, etc.

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