quarta-feira, 9 de abril de 2008

Traduttore, Traditore

O Retorno "de" Jedi: uma letrinha que muda todo o sentido de um título

Tradutor, traidor. A máxima italiana define bem o calvário que é traduzir uma obra de um idioma para outro. Por vezes, é preciso recriar toda uma imagem, já que expressões consagradas numa língua resultam incompreensíveis se vertidas ao pé da letra para outra. E com o cinema não é diferente: alguns títulos de filmes precisam ser repensados para se adequarem a seu novo público-alvo. Existem os intraduzíveis, como Pulp Fiction. Como traduzir de forma eficiente algo como "literatura policialesca de encadernação vagabunda"? Aliás, outro exemplo que Tarantino nos dá é Kill Bill. A sonoridade só funciona em inglês mesmo – existe, inclusive, uma piada que diz que em Portugal o filme se chama "Matem o Bill". Maldade, pura maldade.

Sofia Coppola fez um filme que enfocava bem as dificuldades de transposição de culturas, no caso entre a japonesa e a americana. Mas o próprio filme de Sofia, que originalmente se chamava Lost in Translation (perdido na tradução) foi vítima do conflito que procurava retratar e aqui virou... Encontros e Desencontros.

Mas não é de hoje que grandes filmes são prejudicados por títulos estranhos. Muita gente nem ficou sabendo que o filme de Pedro Almodóvar, Tudo Sobre Minha Mãe era uma homenagem ao clássico de 1950, All About Eve (Tudo sobre Eva). A referência não era clara simplesmente porque aqui no Brasil All About Eve sempre se chamou A Malvada. Além de cometer a heresia de deixar óbvio o caráter de Eva antes mesmo de vermos o filme, é um modo muito simplório de definir a ardilosa alpinista social. "Malvada" soa como bruxa de filme da Disney.

Muitas vezes, basta uma única letrinha para desvirtuar todo o sentido. Uma tradução que entrará para a História como o erro mais simples e, ao mesmo tempo, mais crasso da sétima arte é O Retorno de Jedi. Como assim, "de"? Será possível que alguém tenha pensado que Jedi é um nome próprio, ao invés de um qualificativo? E olha que nem era preciso assistir ao filme para entender o espírito da coisa: o título original, The Return of the Jedi, deixa bem claro que trata-se de O Retorno do (cavaleiro) Jedi.

O complicado é que a maioria das traduções estapafúrdias que grassam por aí são motivadas mais por razões mercadológicas do que lingüísticas. Mesmo porque os títulos inadequados não costumam ser obra e graça dos tradutores e sim de executivos que provavelmente nem gostam de cinema. Tal conclusão, embora leviana, é a única a que se pode chegar quando analisamos alguns títulos, digamos, criativos que certos filmes recebem em terras tupiniquins. Tem o caso dos títulos que tentam pegar carona em produções anteriores. Nos anos oitenta, o sucesso estrondoso do filme de vampiros A Hora do Espanto (Fright Night, algo como noite de pavor), desencadeou o batismo de inúmeros filmes de terror com a palavra "hora" em seu título: A Hora do Pesadelo (na verdade, A Nightmare on Elm Street ou pesadelo na rua Elm), A Hora da Zona Morta (simplesmente The Dead Zone – a zona morta), e o mais gritante de todos: A Hora do Lobisomem, que se chamava Silver Bullet (bala de prata). Não deixa de ser irônico ressaltar que nem o filme que desencadeou tal frisson tinha "hora" em seu título original.

Outra categoria curiosa é a dos filmes que continuam com seu título original e ganham um subtítulo alienígena: Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento, Kinsey - Vamos Falar de Sexo, Hitch - O Conselheiro Amoroso, Sicko – SOS Saúde e o já citado Pulp Fiction - Tempo de Violência são apenas alguns poucos exemplos. Ou pior, quando o original em inglês é sonoro demais para ser desprezado e o subtítulo entra em cena tão-somente como uma tradução deste, caso de Closer – Perto Demais e Sin City – A Cidade do Pecado.

Para encerrar, vamos para dois exemplos recentes - e inexplicáveis, já que a tradução literal caberia perfeitamente. Um Amor de Tesouro, que não é lá essas coisas, talvez até soasse mais simpático com seu título original: Fool’s Gold (Ouro de Tolo). A Era da Inocência, que não tem nada a ver com o filme de Martin Scorsese, foi batizado por seu diretor com um título contrário ao que recebeu aqui: A Idade das Trevas (L'Âge des Ténèbres). Vai entender...

7 comentários:

  1. Excelente tópico Erika. Adiciono mais um título traduzido de forma bizarra: Leatherheads, de George Clooney vai chamar O Amor Não Tem Regras no Brasil. Aqui se tem a visão de que para uma comédia romântica fazer sucesso tem que ter amor ou ficar ou coisa parecida no nome. The Holiday virou O Amor Não Tira Férias, The Sweetest Thing virou Tudo para Ficar com Ele... isso sem falar na série "até que XXX nos separe".
    Obs: XXX aqui funciona como qualquer coisa, sogra, casamente etc, e não tem relação com o personagem do Vin Diesel. hehehe.
    Abraços...

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  2. Uau.
    Post muito bom. Discutir traduções de filmes sempre gera muito papo, pois alguns nomes, além de não ter nada a ver, soam muito bizarros.

    Mas o caso mais alarmante de adaptação que eu já ouvi não foi em filme, e sim em música.
    I'm singing in the rain. Sabe como foi traduzido?

    EU VOU NO VELHO TREM!

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  3. Pois é, Lucas, o assunto é inesgotável. Acho que daria para escrever um livro inteiro sobre o assunto. E, reforçando tua tese sobre as comédias românticas, que tal Sleepless em Seattle ter virado Sintonia de Amor?

    Peraí, João. Pára tudo! Quem fez uma coisa dessas? E onde? Conte-nos quem cometeu tal heresia!

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  4. Bão, tô postando aqui senão ela briga...rss
    Erikita, como sempre vou dar uma de advogado do diabo e defender algumas traduções (subtítulo NUNCA). Por exemplo, já imaginou O Poderoso Chefão ser traduzido literalmente? The Godfather, seria "O Padrinho". Sério, dá pra imaginar?
    The Deer Hunter, o golpe de sorte de Michael Cimino chamar-se-ia O Caçador de Veados (!!!). Por sorte, foi traduzido para O Franco Atirador. Tb gosto de Crepúsculo dos Deuses, nossa opção para Sunset Boulevard do gênio Wilder. Mas tá, a maioria é de doer mermo. O q dizer da Annie Hall do Allen ter virado Noivo Neurótico, Noiva Nervosa?????????????? Ou pior, na minha opinião a mais gritante ocorrência de escrotice de nossos tradutores: em casos como Taxi Driver, é bacana ver o título original mantido, mas o q deu na cabeça do sujeito q traduziu Down By Law do Jarmusch para Daumbailó?????????????????
    E quanto aos subtítulos, há bem pouco tempo eu achava q havia UM único caso de subtítulo feliz no Brasil. Eu elogiava muito o Alien, O Oitavo Passageiro. Já q o original é somente Alien. Eu disse q ELOGIAVA! Reassistindo a esse clássico sci-fi há alguns anos, caiu por terra meu elogio. O Alien não seria o oitavo passageiro, mas o nono. Esqueceram de contar o gato...
    E nem me venham dizer q o gato não se conta, se até o monstro era passageiro...
    É isso, parabéns pelo blog, xuxuva
    Besitos

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  5. Anteríneo,

    Tem casos - como esse do Annie Hall - que eu simplesmente me recuso a falar o título em português. Também não falo o "segredo" antes de Brokeback Mountain e nunca consegui chamar American Splendor de Anti-Herói Americano.

    Essa do gato é mesmo clássica...

    Valeu!

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  6. Ou traduz corretamente, ou deixa o título original.
    Ahhhhh, odeio esses produtores...

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  7. Quando eu era moleque, assistia aos programas do Gilberto Barros (o Leão) à noite, e ele cantava "Eu vou no velho trem, vc vai também".

    Eu sentia náuseas.

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