domingo, 27 de abril de 2008

Fôlego


O coreano Kim Ki-Duk tem um estilo bem particular. Seus personagens são sempre pessoas comuns que, motivadas por sentimentos avassaladores, se lançam em atitudes nada convencionais. Foi assim como o belo Casa Vazia e o confuso Time. Fôlego, seu novo trabalho, talvez seja o mais bem-resolvido dos três, por ter a poesia do primeiro e a ousadia estética do segundo. O filme é de um lirismo e criatividade que encantam, mesmo nas passagens em que a história poderia soar incoerente. É um filme para absorver com o espírito, já que decompô-lo com o intelecto poderia fazer com que a trama soasse inverossímil.

Yeon é uma imaginativa e sensível escultora que se sente anestesiada por sua vida aparentemente perfeita. Embora cercada de conforto e beleza, seus dias se resumem a cuidar da casa e da filha. Seu marido é infiel e a trata com tanta indiferença que não consegue perceber nem sua mudança de comportamento ao descobrir a traição. Quando vê no noticiário a história de Jin, um condenado à morte que tentou o suicídio repetidas vezes, Yeon, seguindo um impulso incontrolável, decide visitá-lo. A partir dessa iniciativa, os dois principiam um estranho e cada vez mais sólido relacionamento.

O encontro da jovem desiludida com o assassino e a força do sentimento desesperado que nasce entre esses dois condenados é de uma beleza comovente. O modo como Yeon se empenha em tornar os últimos dias de Jin um resumo de tudo que ela poderia lhe oferecer se a vida os tivesse reunido em condições mais favoráveis é algo que traz a salvação dela também, pois encontrou alguém que aprecia e precisa da sua imaginação que até então estava estagnada.

Yeon transforma a penitenciária e os poucos minutos de visitação num universo mágico, a ponto de recriar as estações do ano e suas sensações. Aquele espaço é apenas deles e ninguém pode penetrá-lo: nem as autoridades, nem o marido relapso, nem as leis da sociedade e muito menos a sentença de morte que irá separá-los definitivamente. É um relacionamento onde ambos vivem o momento, já que estão cientes de não haver futuro. E, quando se perde toda esperança, cada instante de realização conta.

Outro personagem muito interessante e que tem um papel fundamental para que a trama se desenvolva é o funcionário do presídio que deixa que Yeon visite Jin. Quando ela se apresenta como uma antiga namorada, ele sabe que a moça está mentindo. Mas sua curiosidade e – quem sabe? – seu tédio com o trabalho permitem que toda a trama aconteça. Sem contar que controlar os poucos momentos daquelas duas pessoas lhe dá uma inebriante sensação de poder. No final das contas, ele não é muito diferente das pessoas que acompanham avidamente a vida alheia através dos reality shows e se sentem importantes ao votar nos chamados “paredões”.

Fôlego, que fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes 2007, é um filme cheio de simbolismo e delicadeza, marcado por uma comunicação mais sensorial do que verbal entre os dois personagens centrais. Também o título é bastante apropriado, já que a respiração está sempre em destaque: ofegante, prazerosa, assustada, enfim, como um termômetro do estado espírito de seus protagonistas. Curiosamente, o filme foi exibido no último Festival do Rio como “Sem Fôlego”. É. Até que também faz sentido, já que o fôlego - ou a falta dele - é assunto para uma das mais belas cenas que ocorrem entre o inusitado casal.

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