terça-feira, 1 de abril de 2008

Ponto de Vista


Quando assisti pela primeira vez ao trailer de Ponto de Vista, o filme não me atraiu muito. Pode parecer preconceito (e talvez seja), mas a primeira idéia que tive quando vi aqueles maneirismos de câmera foi a mesma que tenho dos trabalhos recentes de Tony Scott: um primor de estilo e pirotecnia porém deficiente de conteúdo. Ou seja, temi por mais um blockbuster repleto de explosões barulhentíssimas para desviar o foco do fato de não ter um bom roteiro. Mas aí o longa estreou nos States fazendo grande estardalhaço e polpudas bilheterias. OK. Talvez Ponto de Vista e eu tivéssemos tido um mau começo, apenas isso.

O princípio parecia desfazer a má impressão inicial. Um súbito atentado logo nos primeiros minutos deixa personagens e espectadores igualmente atônitos. A trama é a seguinte: o presidente dos Estados Unidos está na Espanha para participar de uma conferência com líderes do mundo inteiro sobre o combate ao terrorismo. Uma multidão imensa cerca o local: turistas, manifestantes, repórteres. E tão logo sobe ao púlpito, antes mesmo de abrir a boca, o homem mais poderoso do planeta é baleado.

A partir desse acontecimento, o filme retorna no tempo para mostrar o ponto de vista de oito pessoas diferentes. Dentre elas, temos: uma chefe de reportagem que viu tudo através de diversas câmeras; um agente do serviço secreto que está retornando ao serviço depois de ter sido baleado para proteger o mesmo presidente; um turista americano que está na Europa para repensar o casamento e filmou coisas suspeitas com sua câmera de mão; e até mesmo o próprio presidente atingido. A partir da junção da perspectiva individual das oito testemunhas é que se deve chegar a uma versão definitiva do que ocorreu.

O argumento é bom, de fato. E os primeiros pontos de vista são realmente os melhores, especialmente o segmento que mostra a verdade sobre o atentado – vinda do próprio baleado. Só que, lá pela metade do filme, ninguém agüenta mais toda hora ver o relógio voltando para as 11h59 daquele dia, principalmente pelo fato dos blocos estarem ficando cada vez menos interessantes. O que faz com que o filme comece a apelar para tiroteios e intermináveis perseguições, seja a pé ou de carros. Sem brincadeira, tem uma seqüência de perseguição de carros que deve durar uns quinze minutos. E tome derrapagem, colisão e capotagem. Só isso, minuto após minuto. É insuportável, o espectador só não corre o risco de dormir porque a zoeira nos tímpanos não deixa.

Mas esse não é o único problema do filme. Ponto de Vista vai se afundando numa montanha de clichês conforme o filme avança e o que parecia apontar para uma crítica ao jogo do poder se limita ao velho maniqueísmo que opõe democratas ianques a terroristas impiedosos. Os personagens se apresentam de acordo com os velhos estereótipos: os terroristas são realmente fanáticos que não respeitam nada; os americanos tentam ser pacíficos até serem "obrigados" a retaliar; existe sempre um agente do serviço secreto infalível para desvendar as mais intrincadas conspirações; etc. E os personagens que não são óbvios carecem de conteúdo ou maiores explicações, como é o caso do segurança do prefeito. Até que ponto aquele homem é inocente? Taí um personagem sobre o qual queremos saber alguma coisa, mas sua história simplesmente é deixada ao acaso.

O que mais chama atenção, no final das contas, é ver atores talentosos desperdiçados em papéis obtusos. Como é possível que Forest Whitaker, vencedor do Oscar do ano passado pelo seu incrível trabalho em O Último Rei da Escócia, concorde em interpretar um idiota aparvalhado que acha que está fazendo grande coisa apenas porque filmou um vulto numa janela? É de chorar de rir a cena em que ele entrega a criança perdida para uma policial de verdade e diz "agora eu tenho que ir ajudar a polícia". E o que dizer do clássico telefonema para a mulher do tipo "agora que vi a desgraça alheia, percebi que te amo"? Sem contar que as motivações do personagem - que diz estar na Europa dando um tempo no casamento - são rasas e mal-explicadas. Também temos no elenco o espanhol Eduardo Noriega, astro de filmes como O Que Você Faria?, Plata Quemada e Abre los Ojos (o Vanilla Sky original), que aparece aqui como o segurança que se envolveu com quem não devia. Mas esses dois ainda têm um fiapo de história, por mais insatisfatório que seja, enquanto a chefe de reportagem interpretada por Sigourney Weaver simplesmente não existe como personagem.

Pete Travis, diretor de TV, faz sua estréia na telona com esse filme chamativo e barulhento, porém insosso em termos de trama. O espectador que quiser exercitar na ficção o tema de um presidente americano sendo baleado tem como melhor opção o provocador A Morte de George W. Bush. Um falso documentário que parte de um fato que não ocorreu, mas constrói uma realidade alternativa muito plausível.

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