sábado, 12 de abril de 2008

Um Beijo Roubado


Neste primeiro filme americano do cineasta Wong Kar Wai – dos cultuados Amor à Flor da Pele e 2046 –, a primeira coisa que chama atenção na ficha técnica é o nome da cantora Norah Jones à frente de um elenco de peso: Jude Law, Natalie Portman, Rachel Weisz, David Strathairn. OK. A atuação de Norah não chega a ser o desastre que muitos vêm alardeando, mas é fato que ela não está no mesmo nível de seus colegas de set. O que fica especialmente evidente nas seqüências que divide com a brilhante Natalie Portman. Fica o mistério. Por que o diretor teria apostado nela para ser o fio condutor de seu filme?

Elizabeth, personagem de Norah, conhece o sensível Jeremy em meio a uma grande desilusão: ele é o dono do bar onde ela vai repetidamente procurar o namorado que a trocou por outra. O tempo passa e ela continua a freqüentar o local, motivada pelas longas conversas com o novo amigo e a torta de blueberry que só ela parece apreciar. Mas sua dor ainda é profunda e, após uma noite de bebedeira, ela nunca mais retorna. Jeremy fica sabendo através de postais que Elizabeth partiu de Nova Iorque sem destino certo, numa tentativa de encontrar respostas que acalmem seu coração.

Elizabeth, em suas andanças, testemunha o que o amor pode causar nas pessoas. Casos prosaicos, como o policial que se afunda em uísque todas as noites para esquecer que ainda ama a ex-mulher e a jogadora de pôquer profissional que assume todos os riscos no jogo e nenhum quando se trata de resolver suas mágoas pendentes.

Um Beijo Roubado é bastante diferente dos trabalhos anteriores de Kar Wai. E eu gostei tanto do filme justamente pelo motivo que está levando os fãs mais radicais do cineasta a criticá-lo: por ele apresentar uma proposta completamente diversa do que se esperava. No lugar do clima pesado de melodrama oriental, pleno de cores saturadas e ambientes sufocantes, temos uma atmosfera mais leve e cenários mais "normais". O que não quer dizer que este seja um filme menos denso sentimentalmente. Pelo contrário, a estética mais naturalista, com um quê de road movie e poeira que lembra o estilo Wim Wenders, faz com que as angústias dos personagens se sobreponham ao fetiche estético.

O porquê de Kar Wai ter escolhido Norah Jones como protagonista continua um mistério insolúvel, mas podemos dizer que o resto do elenco compensa qualquer deficiência da protagonista. David Strathairn e Rachel Weisz estão arrasadores em cena como o ex-casal que carrega um caminhão de ressentimentos contra a outra parte. Natalie Portman, cada vez mais madura artisticamente, incorpora um personagem bem diferente que tudo que ela costuma fazer e reina absoluta em todas as suas cenas. E Jude Law parece ter finalmente se lembrado de que, além de um homem belíssimo, também é bom ator. Vamos torcer para que ele não torne a se esquecer disso em seus próximos filmes.

A viagem de Elizabeth para longe da cidade que lhe causou tanta mágoa acaba sendo uma fuga para longe de sua melhor possibilidade de recomeço também. E ela acaba descobrindo que não é com a distância geográfica se que remenda um coração partido. Talvez porque se depare com pessoas mais destruídas sentimentalmente do que ela própria. Ou pode ser que as melhores coisas – assim como a tal torta de blueberry do título original – estejam o tempo todo debaixo do nosso nariz, mas precisemos do distanciamento para enxergá-las.

Nenhum comentário:

Postar um comentário