terça-feira, 1 de abril de 2008

O Malandro na Praça Outra Vez


Um baiano de nome alemão e gingado carioca tem deixado o público que lota o Teatro Carlos Gomes, de quinta a domingo, de queixo caído. A peça é A Ópera do Malandro e o rapaz que vem causando tamanho rebuliço é Alexandre Schumacher, protagonista do espetáculo. O ator, aos 29 anos, é o terceiro a incorporar o malandro Max Overseas. Seus antecessores foram Otávio Augusto (na 1ª montagem) e Edson Celulari (no cinema). Mas não se enganem com o fato do moço ainda ser pouco conhecido, pois ele tem uma carreira teatral muito bem sedimentada, que começou há cerca de 13 anos em Salvador. Falante e simpático, o ator concedeu esta entrevista exclusiva, em que fala sobre cinema, teatro, filosofia y otras cositas más.

Sentado num dos sofás do saguão do teatro, o ator relembra com carinho sua trajetória. Seu primeiro contato com o teatro foi através de um curso livre. “Na verdade, eu não tinha a menor noção do que era teatro. Vim de uma família onde nunca houve essa preocupação com a arte. Eu morava em Salvador, e um dia descobri no meu bairro um curso. Entrei e achei aquilo muito interessante”. A seguir, fez um profissionalizante de um ano na Universidade Federal da Bahia. Após participar de trabalhos importantes em Salvador, Schumacher resolveu fazer teste para a companhia de Antunes Filho, em São Paulo. Foi aprovado na concorrida seleção (700 pessoas para 16 vagas), e não parou mais. Fez três peças com Gabriel Vilella: Mary Stuart, onde contracenava com Renata Sorrah e Xuxa Lopes; Ventania, baseada na famosa obra dos anos 60 Hoje é Dia de Rock; e protagonizou o clássico de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina. Também consta do currículo de Alexandre, dentre outros trabalhos, o grande sucesso Os Cafajestes.

Morando no Rio desde 1997, Alexandre já perdeu qualquer vestígio do tão característico sotaque baiano. Brincalhão, diz que já se considera um “baioca” e que sempre tentou não ter sotaque algum: “Infelizmente, existe este preconceito. Se eu tivesse sotaque, não só baiano, mas do sul, de Minas, ou de qualquer lugar, já teria perdido muitos trabalhos. Clássicos, principalmente.”

O ator, que tinha quatro anos na época da primeira montagem da Ópera do Malandro, demonstra ter tido uma postura mais intuitiva para criar a versão século XXI do Max: “Não deu para me basear em nada. O filme, que eu gosto muito, vi há muitos anos. Eu não tinha muito material para buscar, a não ser o próprio texto, e comecei a investigar o que levava o Max a ser o que ele é (...) Eu descobri que o que move esse homem é o desejo. Então eu li alguma coisa do Deleuze, um filósofo francês que fala sobre desejo e sobre o quanto ele pode te impulsionar para a frente e o quanto pode até matar. É o que acontece com o Max. O Max é morto pelo excesso de desejo.”

Alexandre explica que também se inspirou no movimento de alguns animais para compor a estética do personagem. A graça felina com que o ator se move não é mero acaso: “É, ele tem essa energia felina. Ele é o leão protetor e o leão ferido, também, quando se sente abandonado pelas pessoas que, na cabeça dele, ele protegeu por tanto tempo. Eu não queria o Max um malandro estereotipado, isso todo mundo já viu e não ia levar a lugar nenhum. Malandro, para mim, é um cara que tem um jogo de cintura absurdo e consegue se sair de situações difíceis sem muito dano para ele.”

Quando perguntado sobre a sensualidade explícita de seu papel, o ator, embora não se sinta intimidado por Max, tem uma reação modesta. Diz que tem aprendido muito com o personagem e com a forma livre como ele vive: “Eu acho uma grande injustiça o que a gente faz com a gente. Suprimimos nossas vontades em função do outro, em função da sociedade e de padrões preestabelecidos. A gente vive em sociedade e tem que respeitar, mas há um limite. Eu acho que, quanto mais você suprime o seu desejo, menor você fica. Você fecha o seu campo de visão, você passa a viver com antolhos. E aí você não vive, sobrevive. E eu acho que é isso que faz o Max ser bonito e as mulheres gostarem dele. Eu queria muito que ele deixasse isso de herança para mim, porque, por mais que eu pense dessa maneira, uma coisa é teoria e outra coisa é prática. Espero que o tempo me ajude a respeitar cada vez mais os meus desejos. Mas sem magoar ninguém, é claro. Porque aí já foge do meu plano de vida completamente.”

Não bastasse interpretar um dos maiores personagens masculinos do teatro brasileiro, Alexandre também está expandindo sua carreira para uma área que ele considera sua nova paixão: o cinema. É com entusiasmo que ele fala sobre seu papel no filme Garrincha - Estrela Solitária: “Foi fantástico. Meu primeiro filme, e o Milton Alencar (diretor do longa) me deu um personagem lindo, que é o Nilton Santos. Acho que ele e a Elza Soares foram as pessoas mais importantes na vida do Garrincha. Eu não pude conhecer o Nilton, mas li muita coisa sobre ele e conversamos por telefone. Eu acabei construindo o personagem com puro afeto. Era um cara que tinha um amor incondicional pelo Garrincha, até mesmo por já estar nesse mundo do futebol há mais tempo.”

Finalmente, falamos sobre o dado que tanto impressiona: o ator foi escolhido para protagonizar a “Ópera” através de testes, tendo derrotado mais de 200 concorrentes. Peço que ele revele, deixando a modéstia de lado, o segredo de seu sucesso:

“Simplicidade. Eu cheguei à conclusão de que para você conseguir algo complexo, rebuscado, apurado, o melhor caminho é a simplicidade. Eu fui o mais simples que eu pude, porque a simplicidade está mais próxima da verdade. E, dentro da arte, o que as pessoas querem ver é só uma coisa: verdade. Talvez por isso o Charles e o Cláudio (Charles Möeller e Cláudio Botelho, diretores da peça) tenham me dado o Max. Evitei o maniqueísmo também. A minha idéia quando fiz o Max era humanizá-lo completamente. Transformar ele num homem como outro qualquer, com seu lado bacana e seu lado ruim. É óbvio que todo mundo tem um lado que predomina. No caso do Max, eu acho que é o lado positivo.”

É hora de encerrar a entrevista e dele se preparar para entrar em cena. As pessoas começam a chegar no teatro. Mais um dia de casa lotada, e deve ser assim até o fim da temporada. Fica a certeza de que ainda vamos ouvir falar muito do talentoso Alexandre Schumacher.

(entrevista feita originalmente em agosto de 2003)

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