terça-feira, 15 de abril de 2008

Estômago


Estômago parte de um pressuposto ancestral, o de que na vida há os que devoram e os que são devorados. Raimundo Nonato é mais um nordestino morto de fome que desembarca sem eira nem beira em Sampa. Quase por acaso, vai parar numa cozinha de boteco. Explorado, vivendo em regime de semi-escravidão, descobre que tem a "mão boa" para cozinhar. Logo consegue uma oportunidade melhor e começa a ascender lentamente. Raimundo também se apaixona por Íria, uma prostituta de apetite voraz, e os dois estabelecem uma espécie de permuta: ele lhe fornece comida e ela, sexo. Mas existe no filme uma trama paralela, que mostra nosso protagonista numa penitenciária. Mais calejado, ele já sabe que seu talento culinário lhe dá um poder incrível sobre os demais. Com falsa humildade e agarrando os poderosos do submundo pelo estômago, também na cadeia ele começa sua escalada ao poder. O que o pacato Nonato teria feito para ser preso? Isso o espectador só descobrirá ao final dessa intrigante fábula amoral.

O filme teve sua estréia mundial no Festival do Rio 2007, de onde saiu vencedor de quatro prêmios: Melhor Filme pelo júri popular, Melhor Diretor, Melhor Ator para João Miguel e o Prêmio Especial do Júri. Foi, ainda, o melhor filme no Festival de Punta Del Este, onde João Miguel também recebeu uma menção especial. Uma trajetória vitoriosa – e mais do que merecida – para esse primeiro longa de ficção do curta-metragista, publicitário e artista plástico Marcos Jorge. O filme é inspirado no conto "Presos pelo Estômago", de Lusa Silvestre, que assina, junto com Marcos Jorge, o argumento do filme.

É impossível assistir a Estômago e não se lembrar de O Cheiro do Ralo, não apenas pela originalidade da trama mas também pelo dinamismo e ousadia narrativa. A história mantém sempre um pé no humor e outro no drama social, com doses homeopáticas de bizarrice. Com um roteiro enxuto, vibrante, cheio de diálogos ligeiros e um ritmo impecável, o filme arrebata o espectador com a mesma rapidez que os pratos de Raimundo Nonato fazem sua fama. A trajetória de Nonato e a falta de julgamento moral que a acompanha é outro ponto de destaque. A princípio um coitadinho, ele logo usa sua esperteza e raciocínio rápido – ainda que tortuoso – para desenvolver seus eficazes métodos de sobrevivência. Isso é exemplificado com muito bom humor na cena em que ele reproduz os adjetivos nada sutis de Íria sobre suas coxinhas minutos após ter ouvido as palavras dela.

Interpretado com perfeição e carisma infinito pelo baiano João Miguel – um grande ícone do cinema nacional no momento – o personagem representa uma espécie de Macunaíma moderno, o anti-herói, o bom selvagem que não será submisso para sempre. Dividindo a cena com ele, a curitibana Fabiula Nascimento, em sua estréia no cinema, representa uma mulher meio felliniana, voraz, assustadora em seus apetites. Complementam o elenco afinadíssimo o sempre eficiente Babu Santana como o poderoso chefão do xadrez e as figuraças Carlo Briani e Zeca Cenovicz como os patrões que disputam o talento gastronômico de Raimundo Nonato. E Paulo Miklos, o eterno "invasor", também fez uma divertida participação como o temido Etecétera.

Estômago é um banquete de humores, sabores, tipos. Uma história engraçada, cativante e com um desfecho surpreendente. Surpreendente e plausível, adjetivos que raramente andam juntos. Desde já, um dos melhores filmes do ano.

2 comentários:

  1. Querida prima parabéns pela iniciativa do blog. Você é um caldeirão de talento, então o sucesso será apenas uma consequência desta nova etapa de metamorfose.Um beijo daqui do interior: Wagner Erinha e Isabela.Irei assistir o filme:" O estômago" com suas dicas e críticas. obrigado pela apontamento do filme.

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  2. É o filme que eu mais quero ver esse ano...
    Que bom saber que é um bom filme. Adoro o "O Cheiro do Ralo" e espero gostar de "Estomâgo".

    Abraço!!!

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