quarta-feira, 30 de abril de 2008

Zona do Crime


Volta e meia, filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite causam polêmica. Muitas pessoas não gostam de ver as mazelas sociais ampliadas na telona, numa típica atitude de empurrar para baixo do tapete a feiúra de nosso sistema social. Mas, a julgar pelo filme mexicano Zona do Crime, não estamos sozinhos. Não que isso sirva de consolo.

La Zona é mais que um luxuoso condomínio da Cidade do México: é uma espécie de universo paralelo, onde todos vivem uma utopia em comum. Cercados por muros altíssimos e vigiados por todos os ângulos, os moradores se sentem protegidos da violência que assola o chamado mundo exterior. Mas um incidente abala a autoconfiança desses privilegiados: três jovens delinqüentes conseguem penetrar no condomínio e, durante uma tentativa de assalto a uma das residências, uma moradora é morta. Alertados por uma empregada que consegue fugir do local, os seguranças exterminam dois dos três criminosos. O terceiro, um garoto de apenas dezesseis anos, foge. Como estão acostumados a fazer suas próprias leis dentro daqueles muros, uma assembléia de moradores decide omitir o acontecido da polícia e perseguir o terceiro assaltante por seus próprios meios.

Apesar de se passar na capital mexicana, a trama de Zona do Crime guarda diversas semelhanças com a realidade brasileira: descrédito das autoridades perante a população, levando à criação de milícias ou justiceiros particulares; corrupção e omissão do poder público; tendência dos ricos a se "fecharem" dentro de condomínios, etc. Tanto isso é verdade que algumas pré-estréias do longa, seguidas de debate, têm acendido discussões pra lá de acaloradas. Por um lado, os moradores de condomínio não gostam nem um pouco de se ver retratados como fascistas e insensíveis; por outro, a população de áreas carentes está cansada de ser sempre retratada como delinqüente no cinema.

O tema de um grupo de pessoas que pretende resolver seus medos simplesmente se afastando da civilização já foi mostrado, por outra abordagem, em A Vila. Mas enquanto o filme de M. Night Shyamalan tinha uma proposta mais simbólica, Zona do Crime transborda crueza e realidade. Também é significativo notar o quão frágil é a paz que os moradores do condomínio pensam ter. Porque basta que ocorra um único crime para que todo o sistema social do qual eles tanto se orgulham venha abaixo.

A votação em que uma assembléia de representantes eleitos decide fazer justiça com as próprias mãos é uma grande piada, já que apenas serve de pretexto para que eles identifiquem as pessoas que pensam de modo diferente - qualquer semelhança com regimes militares não é mera coincidência. Logo, percebe-se que o inimigo vai além do jovem ladrão. Inimigo é qualquer um que ouse se opor à voz da maioria. Também é revoltante como, na visão deles, a vida de um cidadão "de fora" não tem valor algum.

A filmografia anterior do diretor e roteirista mexicano Rodrigo Plá se resume a dois curtas. Neste seu primeiro longa, Rodrigo recebeu uma indicação ao Goya de melhor roteiro adaptado. Um reconhecimento merecido a um belo e corajoso trabalho. Vamos ficar de olhos nos próximos passos desse rapaz, porque tudo indica que acaba de surgir um novo talento na sétima arte.

A única ressalva que faço ao filme é quanto à inadequação do título em português que, em sua ânsia de manter algo do original, acaba soando como um filme no estilo Bruce Willis. Zona do Crime estréia hoje nos cinemas. Confiram!

Nenhum comentário:

Postar um comentário