quarta-feira, 23 de abril de 2008

Grandes Cenas

Scarlett O’Hara, depois de muito esnobar Rhett Butler, entende que o ama. Mas é tarde demais. Ela corre atrás dele e pergunta o que vai ser dela, se ele a deixar. Butler - ou melhor, Clark Gable - dispara o petardo: "Francamente, minha querida, eu não ligo a mínima". Osgood, milionário mulherengo, não mede esforços para fazer de Daphne sua enésima esposa. Mas Daphne é Jerry que, após muitas trapalhadas, arranca o disfarce e mostra ao insistente conquistador porque não pode se casar com ele. Sereno, Osgood sentencia: "Ninguém é perfeito". Rick e Ilsa vão se separar mais uma vez e provavelmente nunca voltarão a se ver. Na neblina do aeroporto, ele tenta convencê-la de que o amor deles não tem futuro com a marcante: "Se você não entrar naquele avião, se arrependerá. Talvez não hoje, nem amanhã, mas logo e pelo resto da sua vida."

As cenas citadas acima são, respectivamente, de E o Vento Levou, Quanto Mais Quente Melhor e Casablanca. Qual a correlação entre elas? São cenas inesquecíveis, que já têm lugar cativo no imaginário coletivo e há muito extrapolaram os limites do filme de origem. A famosa seqüência de Gene Kelly sapateando sob a chuva, embora seja uma das mais empolgantes de todos os tempos, nem faz lá muita diferença para a trama de Cantando na Chuva. Mas é adorada por pessoas que nunca viram o filme e não têm a mínima idéia de seu enredo. Que, diga-se de passagem, é uma verdadeira aula sobre a história da sétima arte, já que detalha todo o processo da transição do cinema mudo para o falado.

O cinema atual também produz todos os dias seqüências memoráveis, embora seja necessário o crivo do tempo para determinar o que vai entrar para a posteridade. Mas existem alguns exemplos recentes que já se tornaram clássicos indiscutíveis. Destaco três – bem diferentes entre si – que já entraram para a história da sétima arte:


Em Cidade de Deus, o personagem Buscapé entende o significado exato do ditado "se ficar o bicho pega, se correr o bicho come" no instante em que, armado apenas com sua máquina fotográfica, fica exatamente no meio da batalha iminente entre o bando de Zé Pequeno e a polícia. A câmera faz um giro completo e vertiginoso, numa das tomadas mais famosas (e copiadas) dos últimos anos.


I see dead people. A força da confissão sussurrada do pequeno Haley Joel Osment em O Sexto Sentido é tão poderosa que a frase chega a dispensar a tradução "eu vejo gente morta", sendo prontamente entendida até por quem não fala uma palavra de inglês. Apavorado, exalando fragilidade sob um cobertor, o menino revela o que já sabíamos mas, ainda assim, não queríamos ouvir. O espectador ainda está sob impacto da fala anterior quando vem seu complemento. Com que freqüência isso acontece? All the time (o tempo todo).


Pulp Fiction é um filme repleto de cenas célebres. Mas nenhuma supera John Travolta e Uma Thurman dançando um estranhíssimo twist (ou seja lá o que for aquilo) numa ainda mais estranha lanchonete. Ele, meio balofo e desconjuntado, começa tímido e depois se solta pra valer ao som de You Never Can Tell. Ela, super feminina de terno, esbanja graça e elegância. O gesto do casal de fazer um V com os dedos médio e indicador e passá-los na frente dos olhos é copiado em pistas de dança até hoje.

2 comentários:

  1. Erikita, embora já discorde destas tuas 3 cenas memoráveis, me permita um pequeno acréscimo no teu comentário sobre a dancinha (improvisada, diga-se de passagem) de Uma Thurman e Travolta em Pulp Fiction:os dedos em "V" nos olhos foi inventado num episódio da série Batman (com a Mulher Gato), o Cruzado de Capa estava dominada pela felina e entrava na dança. Hilária, por sinal. (Preguiça de verificar o título..rs)Pode até ser q as novas gerações o façam imitando Travolta, mas a coisa começou nos idos de 1967, pelas mãos de Adam West, ou melhor, Bruce Wayne, digo, Batman. :)
    Nos vemos em Cassandra

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  2. É claro que você ia discordar, né, Antero. Afinal, destes três filmes eu sei o que você pensa sobre dois... Sobre a dancinha bizarra, realmente eu não sabia a origem do "V". Mas você tem que concordar que qualquer um que não seja expert em Batman lembra do Pulp Fiction. Tarantino tem mesmo essa característica de reciclar as coisas. Kill Bill, por exemplo, é feito todinho de coisas que ele "pegou emprestado" de outros filmes.

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