sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Salvo


Salvo é um belo exemplo de essência da sétima arte. É um filme com um enredo simples, tem pouquíssimos diálogos e, ainda assim, consegue manter o espectador inebriado diante da tela por mais de 100 minutos. Talvez porque hoje em dia muitos filmes se apropriem da linguagem televisiva ou sigam sua opção diametralmente oposta – mas igualmente preguiçosa –, aquela de se apoiar exclusivamente em efeitos especiais. Salvo resgata o cinema de imagem, de longos planos, de silêncios pontuados por tensão, de trilha sonora que vai além da música, de olhares que explicam mais do que palavras. E esse filme tão maduro vem de dois estreantes: Antonio Piazza e Fabio Grassadonia eram ambos roteiristas, realizaram um curta juntos e agora estreiam na direção de longas com este filme de encher os olhos.

Salvo é ambientado na terra natal de Piazza e Grassadonia, a Sicília. Em um pedaço de Palermo dominado pela máfia, Salvo é guarda-costas e faz-tudo para o chefão local. Quando este sofre um atentado, o menino de ouro é enviado para justiçar o traidor. Chegando à casa do homem que deve matar, Salvo descobre que ele mora com uma irmã cega, Rita, que vive o terror de escutar o irmão sendo assassinado. Com o trauma, algo de milagroso acontece: Rita começa a recuperar a visão. Salvo, por outro lado, sente-se tocado por um ser humano pela primeira vez e não consegue matar Rita. Resolve escondê-la, levando-a para uma fábrica abandonada, situação que obviamente não poderá se sustentar por muito tempo.


A primeira coisa que impressiona no filme é sua atmosfera de western em conjunto com um clima noir. O jovem Salvo, assim como os personagens de Clint Eastwood nos filmes de Sergio Leone, representa o estranho sem nome, o homem de poucas palavras e quase nenhuma consciência, a perfeita máquina de matar. Até mesmo o modo como o ator Saleh Bakri se move em cena (rígido, com as costas sempre muito retas) reforça essa impressão. Enquanto isso, a Rita de Sara Serraiocco é puro sentimento. A moça ondeia, apesar de sua cegueira, cantando sempre a mesma canção romântica. Rita está dentro do ambiente da máfia e, ao mesmo tempo, sua deficiência lhe permite ficar à margem dele.

A direção espetacular define bem a claustrofobia e o isolamento de Salvo: entendemos que o rapaz não tem ninguém, que provavelmente foi posto sob a proteção deste criminoso quando ainda era um adolescente e que, também ele, está dentro do mundo do crime, mas não se sente completamente integrado nele. Ao mesmo tempo, ele parece nunca ter conhecido outro modo de vida. Além das imagens, também o som desempenha um papel fundamental na trama. Os efeitos sonoros do filme muitas vezes funcionam como catalisadores de tensão, causando toda uma gama de sensações. É como se em Palermo o som dos tiros e o barulho do mar pudessem ser igualmente ensurdecedores.

Tecnicamente, Salvo é um primor. Mas não é só. A perfeição dos planos, a direção segura, a expressividade no rosto dos atores, enfim, as qualidades técnicas ajudam a contar a história, mas nunca se sobrepõem a ela. Mais importante é a vontade de escapar de um mundo que não te deixa muita opção, as decisões difíceis que cedo ou tarde deverão ser tomadas, a ruptura do confortável em nome do correto, a mudança que deve partir de cada um e, sobretudo, o amor que surge apesar de tudo.


Salvo ganhou o Grande Prêmio da Crítica no Festival de Cannes deste ano.

Cliquem aqui para ler a entrevista feita com os diretores durante o Festival do Rio.

Um comentário:

  1. Filme maravilhoso. Um dos melhores que já vi. Sempre me pego cantarolando a canção... rs

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