quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Barba Azul


Na França dos anos 50, duas irmãs fazem do sótão de sua casa um território mágico e proibido onde vivem aventuras e assustam uma à outra lendo contos de fadas. Uma das histórias que a irmã menor mais gosta é justamente a do Barba Azul, nobre que decapitava suas esposas e guardava os cadáveres em uma sala de seu castelo. Neste curioso filme, a história clássica do Barba Azul é recontada associando o personagem criado por Charles Perrault a Gilles de Rais, famoso assassino de crianças contemporâneo de Joana d’Arc. Exibido no Festival de Berlim 2009.

A primeira coisa que chama atenção no filme é seu tom deliberadamente falso, com seus cenários artificiais e direção de arte meio tosca. Como se o que vemos no filme “de dentro” saísse diretamente da mente das meninas que leem a história na trama “de fora”. Daí a cenografia meio fora de perspectiva, as roupas que mais parecem fantasias, enfim, uma estética que sugere o tempo todo ter saído do imaginário infantil. Embora no princípio fique a dúvida se é pobreza de orçamento ou opção narrativa, a abordagem da diretora Catherine Breillat vai ficando mais clara conforme o filme avança. Um exemplo disso é a sequência em que Barba Azul e a jovem esposa sobem uma escada que levaria a uma torre e as mesmas tomadas do mesmo trecho são repetidas para dar a impressão de uma escadaria extensa.

Posto dessa maneira, parece um filme esquisito. E realmente é. Mas, curiosamente, essa abordagem bizarra funciona bem na tela e combina com a história do nobre sanguinário e sua esposa curiosa. A escolha por uma narrativa estilizada está presente nos figurinos, na severidade caricata da freira na cena inicial, na geografia contraditória do castelo, na dramaticidade exagerada do empobrecimento da família da mocinha (a cena da sopa de capim é de uma inspiração ímpar) e, sobretudo, na incrível desproporção entre o gigante Barba Azul e a pequenina esposa. E o contraste entre os dois torna mais forte a associação com o infanticida de Rais, embora o longa tome o cuidado de afastar qualquer sugestão de pedofilia.


Barba Azul é um filme bem legal, feito para divertir o adulto que somos e também para dar uns sustos na criança adormecida em nosso subconsciente. Vale lembrar que Catherine Breillat ameaçou seguir um caminho parecido em seu filme anterior – o mal-resolvido A Última Amante –, mas foi tão tímida no flerte com o surrealismo que invalidou completamente suas intenções. Mas nada como um filme após o outro e a cineasta se saiu bem melhor desta vez, pois em Barba Azul ela realmente mergulha na proposta teatral sem medo de ser feliz.

Nota: 7,0

(Barbe Bleue, de Catherine Breillat. França, 2009. 80min. Panorama do Cinema Mundial)

2 comentários:

  1. Erika, muito legal toda essa cobertura no Festival do Rio. Estarei de olho em suas análises e comentando quando possível. O segredo para quem acompanha esses festivais de cinema é mesmo tentar ver todos aqueles filmes que dificilmente devem ganhar distribuição em todo o nosso país.

    Agora tenho que admitir que não conhecia esta obra mais recente de Catherine Breillat, mas estou prestes a assistir um filme dela que é bem polêmico, "Romance X".

    Beijos.

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  2. Valeu, Alex, eu pretendo colocar pelo menos um post novo por dia. Também não deixa de conferir lá no Crônicas Cariocas, que terá textos dos outros colunistas também.

    Beijão!

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