quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Espelhos do Medo


Os espelhos sempre tiveram uma simbologia sombria no cinema e na literatura. Portais para outras dimensões, janelas para a alma, duplicidade, morte, enfim, encontro com o mundo oculto. Na magia, são considerados portais de mão dupla, ou seja, assim como servem para deixar aquele que os utiliza penetrar em outros ambientes também permitem que forças desconhecidas fluam para fora dele. Numa rápida pesquisa internética em busca da simbologia dos espelhos, encontrei uma infinidade de rituais envolvendo seu uso. Em comum, a mesma advertência: é fundamental que a passagem seja “fechada” ritualisticamente depois.

Espelhos do Medo bebe na fonte de toda essa mitologia e traz Kiefer “Jack Bauer” Sutherland no papel de Ben Carson, ex-policial afastado de seu cargo após um acidente em que feriu um colega. A depressão e os problemas com bebida foram o passo seguinte, afastando-o da esposa e dos filhos e obrigando-o a passar um tempo indeterminado na casa da irmã. Louco para recomeçar a vida, Ben aceita um emprego como vigia noturno de um sinistro e enorme prédio. Outrora uma chique loja de departamentos, a construção foi devastada por um incêndio cinco anos antes. Em suas rondas noturnas, Ben começa a ser atormentado por visões horripilantes nos grandes espelhos que cobrem as paredes da loja e que parecem ser as únicas coisas intactas no lugar. Realidade ou fruto de uma mente perturbada?

O filme tem a seu favor a ótima locação. Apesar da trama ser ambientada em Nova Iorque, todas as cenas internas foram rodadas em Bucareste, na Romênia, e o impressionante prédio em que se passa boa parte da trama é, na verdade, uma estrutura encomendada pelo ditador Nikolae Ceausescu para abrigar a Academia de Ciências, mas que foi deixada inacabada após sua morte em 1989.

Espelhos do Medo parte de uma boa história e tem um ótimo cenário, mas, infelizmente, se rende às facilidades de ser um filme de terror comercial. O argumento realmente criativo é desperdiçado de modo a transformar uma história que poderia se converter em algo no estilo O Iluminado ou Os Outros em mais um filme de terror movido a sustos fáceis e trilha sonora óbvia. Isso quando não apela para cenas que seriam mais adequadas para qualquer um dos intermináveis jogos mortais. Um exemplo disso é a cena da irmã de Ben na banheira (o espectador realmente poderia ter ficado sem essa). O roteiro ainda deixa pontos importantes inexplicados, como, por exemplo, o porquê do vigia diurno não ser afetado pelos espelhos. Ele demonstra estar a par do que acontece, mas segue trabalhando ali na boa. Por quê?

Também é meio esquisito o fato do herói não ter pudores em mandar um inocente para o sacrifício quando se trata de salvar sua família. OK. Talvez a maioria das pessoas fizesse o mesmo, mas pegou mal. Principalmente porque o protagonista nos é apresentado como um policial bom-caráter e cheio de crises de consciência. Aliás, todo o desfecho peca pelo exagero e pelas soluções equivocadas, incluindo aí a famosa “pegadinha final” - que pode até ter se tornado uma assinatura do gênero, mas já está cansando.

Apesar disso, o filme não é dos piores. Faço essas ressalvas justamente por ser uma fita de terror bem razoável. Então é decepcionante imaginar o que o filme poderia ser, seu potencial perdido. Mas o que assusta mesmo é saber que o próximo projeto do diretor e roteirista Alexandre Aja é um longa intitulado Piranha 3D. Depois dos espelhos, as piranhas. E em 3D. Que medo.

3 comentários:

  1. "Também é meio esquisito o fato do herói não ter pudores em mandar um inocente para o sacrifício quando se trata de salvar sua família."

    Não podemos nos esquecer que há um Jack Bouer assombrando por trás desse personagem. Aliás, acho que o diretor tentou se aproveitar disso. Grosso modo, dá pra dizer que o filme é uma mistura de "24 horas" com "Poltergeist".

    Assisti anteontem, achei razoável tb.

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  2. Pois é, Alexandre, acho que o Kiefer não se livra mais desse encosto, eheheh.

    E realmente eu lembrei de Poltergeist na hora em que o garotinho é puxado pra dentro do chão.

    Abraços,

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