quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Um Homem Bom (encerramento do Festival)


Muitos filmes já foram feitos denunciando a Alemanha nazista e os horrores do holocausto. Mas só de um tempo para cá as lentes do cinema se distanciaram um pouco dos grandes vilões e focaram no cidadão comum, não raro acusado de conivente das atrocidades de seu governo. Mas, como já mostrado em Uma Mulher Contra Hitler, o Terceiro Reich não costumava conceder muito livre-arbítrio a seus cidadãos e punia os dissidentes mesmo que fossem de “raça pura”. Um Homem Bom, produção inglesa dirigida pelo brasileiro Vicente Amorim, mostra como um pacato professor universitário foi pouco a pouco levado a fazer parte de crimes dos quais nem tinha conhecimento.

John Halder – interpretado lindamente por Viggo Mortensen – é um homem caseiro, que dá aulas de literatura francesa e costuma cozinhar e tomar conta dos filhos para que a esposa compositora se dedique melhor ao piano. Também é amoroso e paciente com a mãe senil. Mas tudo muda quando os nazistas se interessam por seu trabalho e, em especial, por um romance seu que defende a eutanásia. John é contratado pelo partido para escrever um artigo sobre o tema, o que será o início de seu envolvimento com a política, ainda que ele demore um tempo para se dar conta de que está trilhando um caminho sem retorno. Ao mesmo tempo, a falta de entrosamento conjugal e o interesse por uma jovem aluna fazem com que seu casamento termine.

O filme, baseado na peça teatral Good, de C.P. Taylor, mostra como pequenas decisões podem cobrar um preço muito alto adiante. John é um intelectual, não tem interesse nenhum em política. Mas hesita em dizer não ao primeiro pedido deles, mesmo porque demonstra estar com medo de que as autoridades o tenham procurado por estarem descontentes com seu livro. Assim, servi-los traz até um certo alívio. Somadas essas inseguranças à cobrança do sogro para que se filie ao partido e consiga melhores oportunidades na carreira, o personagem pensa “por que não?”. Daí para vestir a farda da SS, é só questão de tempo. O personagem é muito bem composto, com delicadeza e até uma certa inocência. Geralmente as pessoas boas tendem a julgar as outras pelos seus próprios parâmetros, o que faz de John um inocente útil, usado até por pessoas próximas – isso fica evidente no episódio da prisão de seu amigo psiquiatra.

Um Homem Bom é um filme de curta duração e, como abarca um período de vários anos e transformações políticas, acaba sendo necessário que sejam feitas algumas elipses bastante bruscas. A trama dá saltos do período pré-guerra para o meio do conflito, o que dá ao espectador uma sensação de ter perdido um pedaço da mudança por que passa a Alemanha. Fora isso, também sente-se falta de um maior esclarecimento sobre quais eram, exatamente, as atividades desenvolvidas por John dentro do partido. Tem uma cena que mostra o personagem fazendo uma inspeção médica numa espécie de hospício (ele decidia quem poderia viver?), mas me pareceu tudo muito rápido.

Mas, questionamentos à parte, Um Homem Bom representa mais um belo trabalho de um cineasta brasileiro no exterior e também mais um degrau na carreira deste talentoso ator que surpreende a cada novo papel.

Um Homem Bom (Good), de Vicente Amorim. Com Viggo Mortensen, Jason Isaacs, Jodie Whittaker, Mark Strong. Reino Unido / Alemanha, 2008. 96min.

Mostra Foco UK

Nota: 7,0

Um comentário:

  1. Erika, boa noite...
    Quero ver Um Homem Bom, por causa do tema, que sempre me interessa, e também pelo Viggo, adoro os trabalho dele.
    Aqui da Mostra de Sampa, eu queria ver O Menino do Pijama Listrado, mas terei que escolher entre ele e Vida e Morte de Hannah Senesh, que salvou judeus.Ambos são no mesmo dia e em horários iguais, que coisa...
    A Duquesa vou esperar, idem irmãos Coen e Allen. Tem o filme com Andréa Beltrão, Verônica, em versão tupiniquim de Glorya.
    Beijinho, estou lendo seus comentários...
    Sabe que eu penso de outro jeito? Costumo, tento escrever sobre os filmes que me surpreenderam logo depois de vê-los, senão o tempo passa e esqueço um monte de coisas.Prefiro escrever no calor do momento.Mas, tens razão. "Nossa percepção a respeito de um filme pode mudar após alguns dias de reflexão - ou não." O problema é, mais tarde, lermos o que escrevemos e não concordarmos cem por cento c/o que está escrito hein?

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