quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Pelos Meus Olhos


Filmes que retratam a violência doméstica são feitos aos montes. A grande maioria, telefilmes baratos que aqui no Brasil costumam passar nas noites de sábado no Telecine. A fórmula é invariável: a mulher submissa e/ou sem recursos para sobreviver por conta própria apanha até o limite das forças para, ao final, reagir e reencontrar sua dignidade. Pelos Meus Olhos começa um pouco diferente: a primeira cena já mostra Pilar arrumando uma mala às pressas e fugindo com o filho pequeno a tiracolo. Logo descobrimos que o motivo de seu pavor é o marido violento. A irmã é solidária e lhe dá abrigo, além de conseguir-lhe um emprego. O problema estaria resolvido e não teríamos um filme, não fosse o fato de Pilar ainda amar o homem que lhe bate. E reside justamente nessa contradição, de querer retornar mesmo sem necessidade, o diferencial que torna este filme melhor que seus similares.

A trama é ambientada em Toledo, cidade pequena e ainda bastante atada a uma moral tacanha. O que explica a relutância de Pilar em deixar sua vida antiga para trás e a pressão que ela sofre por parte da mãe – também ela outrora vítima do marido – para reconsiderar sua decisão. Aliás, a figura materna me parece em muitos aspectos mais castradora do que o próprio marido. Como se o fato de Pilar se libertar da tirania de Antonio ofendesse a mãe em seu orgulho, já que ela não fora capaz de fazer o mesmo. Então colocar a filha de volta no cárcere lhe daria um certo alívio, uma conformação de que a vida é igualmente sufocante para todas as mulheres.

A figura do marido agressor consegue o difícil feito de fugir dos clichês, ao retratar Antonio como um homem constantemente atormentado pela insegurança e cujo temperamento violento tem como principal motivo uma enorme falta de auto-estima. Isso fica bem claro na sequência em que o casal, tentando se reconciliar, vai passar o dia com a família dele e no modo como ele desconta em Pilar todas as frustrações causadas pelo irmão que o destrata. Antonio vai ao terapeuta e quer genuinamente ser um homem melhor, mas isso de nada adianta, já que suas neuroses o vencem e ele recai no erro de achar que só conseguirá manter a esposa ao seu lado através da coação e ameaça. Luis Tosar – de Inconscientes e Segunda-Feira ao Sol – tem um desempenho muito bom no papel, fazendo ótima transição entre os momentos de carinho e fúria de seu personagem. E vale destacar que tal mudança muitas vezes ocorre em questão de segundos. 

Outro ponto interessante é a trajetória de Pilar, que descobre prazer em seu trabalho e independência à mesma medida que sua recém-adquirida desenvoltura cria novos pontos de atrito com o marido. De repente, ela quer mais dele: apenas deixar de agredi-la fisicamente não é mais suficiente. Isso fica evidente na cena em que ele a humilha e vemos, pela sua reação, que aquela agressão foi mais dolorida do que as vezes em que ele a espancou.

Realizado há cinco anos, o filme foi o vencedor de nada menos que sete prêmios Goya em 2004, incluindo melhor filme e direção. Pelos Meus Olhos realmente é um longa acima da média, mas não acho que seja para tanto. O roteiro derrapa em algumas passagens, como, por exemplo, na maioria das cenas que mostram Antonio com o terapeuta: as conversas soam explicativas demais, quase como se fizessem parte de um material didático para conscientizar maridos agressivos. O desfecho também segue o caminho da previsibilidade, com um tom de fábula moral meio novelesco. Mas, em termos gerais, é um filme cujas qualidades ultrapassam as deficiências. Vale o ingresso, sem dúvida.

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