quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A Pele Que Habito


O Festival do Rio se inicia oficialmente na noite de hoje com este novo filme de Pedro Almodóvar, que marca, ainda, seu reencontro com o ex-muso Antonio Banderas depois de mais de 20 anos – o último dos cinco filmes que fizeram juntos foi Ata-me!, em 1990. Em A Pele Que Habito, Banderas é o doutor Robert Ledgard, famoso cirurgião plástico que passa a se dedicar a uma criação revolucionária depois que sua esposa sofre queimaduras fatais em um acidente. Seu objetivo é criar uma pele sintética que seja sensível, porém imune a qualquer tipo de agressão externa. Para alcançar sua meta, Robert conta com Vera, uma cobaia humana que é mantida trancada em sua clínica, a mansão El Cigarral. Baseado no romance Mygale, de Thierry Jonquet, o filme foi selecionado para a competição oficial do Festival de Cannes deste ano.

Que Almodóvar é um diretor ousado sempre em busca do inusitado e da renovação, ninguém pode negar. Outro traço admirável em sua filmografia é o modo como ele consegue se reinventar e, ao mesmo tempo, manter uma assinatura personalíssima. Basta lembrar que em seu último filme, Abraços Partidos, o cineasta fez uma espécie de releitura de seu primeiro grande sucesso, Mulheres à Beira de um Ataque dos Nervos. Muita gente considerou o filme pouco criativo e o resultado, de fato, fica aquém de outros trabalhos seus, mas a experiência em si é válida. Experimentar é sempre válido, e disso Almodóvar não tem medo. Zona de conforto não é com ele.

Em A Pele Que Habito, o cineasta espanhol deixa um pouco de lado a ternura feminina presente na maioria dos seus trabalhos e realiza um filme com uma energia mais direta, precisa, masculina, como se toda a história fosse vista pela ótica do personagem de Antonio Banderas. Robert é um cirurgião e, como um grande profissional do seu ramo, está habituado a aprimorar a natureza, a remendar o que está errado e até mesmo a criar beleza onde ela não existia antes. Ou seja, qualquer semelhança disso com brincar de Deus não é mera coincidência. A certa altura, fica claro que tanto o experimento científico quanto o seu desejo de vingança ficaram para trás: o que passa a motivar Robert é inebriar-se com esse sentimento de onipotência.


No elenco, a grande dama do cinema espanhol Marisa Paredes e a bela Elena Anaya dividem a tela com Banderas. O trio, que está em cena durante a maior parte da projeção, demonstra bom entrosamento, embora este seja mais um filme de diretor do que de atores. Marisa e Elena, aliás, estão no Rio para a cerimônia de abertura desta noite.

Claro que não é um filme fácil de digerir e até acredito que este será mais um daqueles filmes que são amados e odiados em doses iguais. Mais ou menos o que aconteceu com Má Educação, que, não por acaso, é outro filme recente de Almodóvar que possui essa característica mais fria e calculista. Nenhum de seus filmes é isento de pontos polêmicos, é verdade, mas me parece que quando o surreal e politicamente incorreto vem embalado por uma boa dose de afeto, o público aceita melhor. Não é o caso deste protagonista, que, em vez de buscar um salvo-conduto na passionalidade latina, planeja todas as suas discutíveis ações com uma racionalidade inabalável.

Não se pode revelar muito mais do que isso sobre a história, sob o risco de deixar transparecer a principal revelação que ocorre lá pela metade do longa e dá uma nova dimensão à trama, mas uma coisa posso garantir: o efeito é extremamente chocante, daqueles de não deixar ninguém indiferente. Algumas pessoas estão considerando o filme como uma incursão do cineasta pelos universos do terror e da ficção científica, mas o estilo do filme não poderia estar mais distante destes dois gêneros. A Pele Que Habito é, em última análise, sobre o ser humano e suas obsessões. O que equivale a dizer que estamos diante do Almodóvar de sempre, embora este exemplar se apresente com uma pele nova. Metalinguagem pouca é bobagem.

A Pele Que Habito (La Piel Que Habito), de Pedro Almodóvar. Com Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo. Espanha, 2011. 117 minutos. Panorama do Cinema Mundial.

Cotação: 10

Um comentário:

  1. Estou aguardando anciosamente desde do início do ano este filme que promete abalar... Por RUI CARIOCA

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