sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Terraferma


Numa pequena ilha no sul da Sicília vive a família Pucillo, que se dedica à pesca há várias gerações. Depois que o filho de Ernesto desapareceu no mar, ele conta com a ajuda de seu neto Filippo para manter a tradição. Seu outro filho, Nino, prefere lidar com o turismo e acha que o pai deveria vender o barco e fazer o mesmo. Giulietta, mãe de Filippo e nora de Ernesto, também pressiona para que todos se mantenham em terra firme e aluga a própria casa da família para turistas do norte do país. A já conturbada relação familiar ganha ainda mais conflitos quando Ernesto resolve ajudar uma refugiada africana grávida e seu filho, colocando seu senso humanitário acima da lei. O filme ganhou há pouco o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza 2011 e é o candidato da Itália ao Oscar 2012.

Este filme causou bastante polêmica na ocasião de sua exibição e premiação em Veneza porque muitas pessoas consideraram que ele faz uma defesa da imigração ilegal. Esse seria um modo bastante simplista de ver as coisas, já que o que Terraferma de fato questiona é a dificuldade em obedecer cegamente a uma lei que obriga o cidadão a ser insensível. Podem a solidariedade e a humanidade serem regulamentadas por uma lei? O assunto fica ainda mais complexo considerando que a Itália é um país extremamente católico. Onde ficam aí os dogmas cristãos e suas mensagens sobre estender a mão ao próximo? Isso é muito bem exposto na cena em que os pescadores se reúnem, pois o código do mar é algo muito mais presente na realidade daquela ilha do que uma lei feita por um governo distante dali.

As pessoas costumam pensar na Itália como uma coisa única, embora não seja esse o sentimento que norteia os italianos de um modo geral. Trata-se de um povo que sempre foi dividido, sofreu influências muito distintas e, portanto, ainda carrega um forte sentimento de identidade regional mesmo depois de 150 anos de unificação do país. E no caso dos sicilianos, o fato de estarem separados geograficamente do continente torna isso ainda mais forte. Também vale lembrar que estamos falando de uma das regiões mais pobres do país, de pessoas que muitas vezes são deixadas à margem da Itália “européia”.

O que torna Terraferma tão interessante é que o tema do endurecimento das leis sobre a imigração é um dos aspectos do roteiro, mas não é o único. Do outro lado, há Filippo, um jovem de pouca instrução e sem perspectivas de futuro que vive um momento crucial em sua vida. Para deixar de ser um menino e tornar-se um homem, Filippo deve escolher entre dois modelos masculinos bem diversos: o avô Ernesto, um pescador de valores tradicionais e ciente de seus deveres morais; e o tio Nino, que visa a ascensão social a qualquer preço e, para isso, apresenta uma incrível elasticidade moral.

Embora o filme tenha um final aberto no que diz respeito aos acontecimentos mostrados, o rumo escolhido por Filippo é claro. E isso, no final das contas, deixa entrever que talvez seja esse processo de amadurecimento do rapaz o principal cerne da trama. Um belo filme, lindamente fotografado e com uma direção precisa. Vale a pena.

Terraferma (idem), de Emanuele Crialese. Com Filippo Pucillo, Donatella Finocchiaro, Giuseppe Fiorello, Claudio Santamaria.  Itália / França, 2011. 88 minutos. Foco Itália.

Cotação: 8,5

Um comentário:

  1. Belo filme, estive ontem na sessão que teve a presença do Emmanuele Crialese.

    Continuo seguindo seu blog, um abraço.

    Helio

    ResponderExcluir