segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Até a Chuva


O diretor espanhol Sebastián e seu produtor Costa vão para a cidade de Cochabamba, na Bolívia, rodar um filme que mostra uma visão crítica de Cristóvão Colombo e os males que a colonização espanhola causou à população indígena da América do Sul. Ao longo das filmagens, eles se veem entre um feroz conflito envolvendo a privatização da água, em poder de uma multinacional. O filme é baseado em um conflito real, ocorrido em 2000.

Uma completa e muito gratificante surpresa, daquelas que realmente fazem valer a pena estar participando de um festival de cinema. Apesar de Até a Chuva ter vindo com o aval da Mostra Panorama do Festival de Berlim e de ter sido o candidato da Espanha ao Oscar 2010, eu ainda não tinha ouvido falar muita coisa do filme. O último longa dirigido pela atriz madrilena Icíar Bollaín a chegar por aqui havia sido Pelos Meus Olhos, um drama sobre violência doméstica apenas acima da média. Portanto, nada me preparou para esse arrasador filme que mistura com enorme eficácia política, história, crítica social e metalinguagem, trabalhando em diversos níveis de compreensão.

É muito interessante a mudança de ponto de vista pela qual passam os personagens espanhóis, que chegam à Bolívia cheios de boas intenções e ideais elevados e, conforme a situação começa a se agravar e os ânimos a se acirrarem, começam a mostrar suas verdadeiras faces, seja para o bem ou para o mal. Também vale ressaltar que a convivência entre a equipe e os habitantes usados como figurantes ironicamente lembra tudo que eles pretendiam criticar. Muitas vezes, as cenas do filme que está sendo feito parecem incrivelmente próximas do que acontece ao redor, como se não se tivessem passado 500 anos entre uma coisa e outra. Uma cena especialmente bem concebida é aquela na qual o diretor de cinema começa a criticar o prefeito e este lhe mostra claramente que também ele está exercendo a exploração que tanto abomina.

O elenco, encabeçado por Gael García Bernal e Luis Tosar, está bem de um modo geral, mas o grande destaque fica por conta do boliviano Juan Carlos Aduviri, que interpreta o orgulhoso líder da comunidade indígena e, no filme de dentro, Hatuey, defensor de seu povo contra a brutalidade dos colonizadores. Em seu primeiro papel em um longa-metragem, Aduviri torna incrivelmente real a empolgação do diretor interpretado por Gael García Bernal que, ao ver seu personagem em uma fila de candidatos a figurantes, diz a sua assistente “filme aquele, veja que expressão incrível, é o nosso Hatuey”.

Por outro lado, não se trata apenas de um filme de cores sociais e políticas. O lado emocional também é muito forte, agradando tanto ao espectador mais engajado quanto àquele que se rende mais pelo lado emotivo. Outra coisa que encanta em Até a Chuva é que o longa “de dentro” não se resume a uma mera muleta para criar correspondência com o que acontece fora; pelo contrário, dá uma vontade danada de ver aquele filme com uma visão tão amarga sobre o descobridor das Américas. Destaque para a cena com as cruzes, comovente.

O filme ainda tem sessões neste Festival. Eu, se fosse você, não perdia.

Até a Chuva (También la Lluvia), de Icíar Bollaín. Com Luis Tosar, Gael García Bernal, Juan Carlos Aduviri, Karra Elejalde. Esp/Fra/Mex, 2010. 104 minutos. Panorama do Cinema Mundial.

Cotação: 10

Um comentário:

  1. Conferi, vale a pena! Concordo que a atuação de Juan Carlos Aduviri é muito "engajada". O filme nos toca pelo realismo e pela boa reapresentação da América neo-colonizada!

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