quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A Separação


Antes de tudo, preciso confessar um terrível preconceito: eu tenho um pé atrás com o cinema iraniano. Sempre penso nele como aquela coisa singela, porém arrastada: a árvore, o jarro, o grão de areia, tudo com cenas longuíssimas e escassez de diálogos. OK. É um pensamento pouco profissional, mas não posso evitar a sensação toda vez que vejo em uma ficha técnica que a produção é originária da antiga Pérsia. A Separação, porém, chega do último Festival de Berlim com bons antecedentes: não apenas arrebatou o Urso de Ouro como os prêmios de melhor ator e atriz, concedidos ao elenco. Isso é um fato raro e maravilhoso, quando a atuação conjunta é tão nivelada que torna impossível destacar um ator e uma atriz. Assistindo ao filme, fica muito evidente a justiça de tal premiação.

Simin quer deixar o Irã, mas seu marido Nader reluta por causa do pai, que tem Mal de Alzheimer, e a desavença acaba causando a separação do casal. A filha Termeh, em uma última tentativa de manter a família unida, se recusa a partir para o exterior com a mãe, criando um impasse. Simin, por sua vez, não pode mais recuar depois de ter pedido o divórcio e decide sair de casa, deixando Termeh aos cuidados de Nader que, por sua vez, precisa de alguém para cuidar do pai doente. Razieh, mãe de uma menina e grávida de cinco meses, vai trabalhar na casa sem que seu marido saiba, na intenção de ajudá-lo a pagar os credores que ameaçam colocá-lo na cadeia. Uma série de mal-entendidos levará a um trágico incidente que fará explodir um acirrado conflito entre essas duas famílias já tão castigadas por seus problemas internos.

Com diálogos fortes, atuações estupendas e uma trama muito tensa, que vai criando um efeito dominó que arrasta todos os personagens para situações limítrofes e complexas, A Separação é o tipo de filme que deixa o espectador grudado na cadeira e com a musculatura contraída desde a primeira impactante cena até o desfecho perfeito. Um filme de duas horas que dá a impressão de ter durado apenas alguns minutos. Ou seja, com um ritmo totalmente contrário ao que se convencionou esperar da filmografia de origem árabe.

Talvez o que torne o filme tão arrasador seja o modo como cada um dos personagens tem sua cota de contribuição para o rumo que as coisas tomam, deixando claro que conceitos como razão, verdade e justiça sempre podem ser interpretados de mais de uma maneira. A certa altura, o espectador chega à triste conclusão de que ali todos sairão perdedores – e não é sempre assim? É essa dura lição que a pré-adolescente Termeh (a estreante Sarina Farhadi, filha do diretor) tem que aprender ao longo da trama, no doloroso rito de passagem que a torna uma adulta responsável por seus atos e não mais a filha de seus pais. Comovente a cena em que ela e a pequena Somayeh, que dias antes jogavam pebolim juntas, se olham desoladas diante do abismo criado por suas famílias.

A separação do título não se refere apenas ao divórcio de Simin e Nader; é, antes, sobre tudo que afasta as pessoas. Sobre as descobertas dolorosas da vida, que nos tornam menos inocentes. O melhor filme deste Festival.

A Separação (Jodaeiye Nader Az Simin), de Asghar Farhadi. Com Leila Hatami, Peyman Moadi, Shahab Hosseini, Sareh Bayat. Irã, 2011. 123 minutos. Panorama do Cinema Mundial.

Cotação: 10



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