quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Linha de Passe


Linha de Passe vem sendo gestado por seus diretores, Walter Salles e Daniela Thomas, desde 2002, antes de Salles rodar Diários de Motocicleta. A história acompanha cerca de seis meses na vida de uma família formada por uma mãe solteira e seus quatro filhos que vive na periferia de São Paulo. Dênis, o irmão mais velho, trabalha como motoboy e já é pai, o que faz com que seu dinheiro seja sempre escasso; Dinho é frentista em um posto de gasolina e se esforça bravamente para ser bom e se comportar de acordo com sua religião evangélica; Dario sonha tornar-se jogador de futebol profissional, mas vê suas oportunidades rarearem ao completar 18 anos; e Reginaldo é obcecado com a idéia de conhecer o pai, tendo como única pista o fato dele ser motorista de ônibus. Cleuza, a mãe, tem 42 anos, está grávida do quinto filho e trabalha como empregada doméstica num bairro de luxo muito longe de onde mora.

Uma das qualidades mais evidentes da filmografia de Walter Salles é o modo como ele consegue extrair pungência da simplicidade, sem depender de um conflito poderoso, fora do normal, para fazer com que o espectador se emocione com suas histórias. E Linha de Passe é um filme que comove justamente através das pequenas dores e alegrias cotidianas de pessoas absolutamente comuns. À primeira vista, nenhum daqueles garotos parece especial. E não são mesmo. Mesmo Dario, o único dos filhos caracterizado por ter algum talento específico, não chega a ser um prodígio no futebol. Ele é bom sim, mas como muitos outros garotos de sua idade. E o que ele transmite é que o futebol seria mais um meio de sobrevivência do que propriamente uma paixão. Afinal de contas, a dureza da vida de sua mãe e seus irmãos mais velhos é o maior de todos os exemplos.

Aos poucos, o espectador se envolve com cada bola na trave que cruza a vida daquelas cinco pessoas. Se comove ao ver Dênis, um rapaz essencialmente bom, ser tentado a obter dinheiro fácil e, desse modo, evitar as cobranças diárias e o olhar de censura da mãe de seu filho. Se angustia ao acompanhar a obsessão do pequeno Reginaldo, que busca a figura paterna ausente a todo custo. Se incomoda com o fanatismo de Dinho, que parece ser o único escudo que o mantém afastado de uma vida desregrada. Não entende como aquela mãe tão trabalhadora cai na besteira de arrumar um quinto filho sem pai. Mas a essa altura você, espectador, não quer mais julgar aquelas pessoas. Porque já gosta delas. Se preocupa. Quer que elas encontrem um caminho para vir à tona.


A paulista Sandra Corveloni, integrante do Grupo Tapa, foi premiada no Festival de Cannes como melhor atriz por este papel que é sua estréia no cinema. Mas a atuação de Sandra talvez não fosse tão intensa se ela não estivesse cercada de quatro talentosíssimos jovens atores. Vinícius de Oliveira, o Josué de Central do Brasil, cresceu e apareceu e neste filme interpreta Dario. Contracenam com ele os estudantes de artes dramáticas João Baldasserini (Dênis) e José Geraldo Rodrigues (Dinho) e a grande revelação Kaique de Jesus Santos, o Reginaldo. O garoto, que até então não tinha atuado nem em peça de escola, demonstra uma segurança e espontaneidade de fazer inveja a muito veterano. Destaque para a cena em que ele faz birra com Dario para dizer a data de um teste. Hilário.

Com todo o envolvimento que sentimos ao assistir ao filme, o desfecho que não é exatamente um desfecho deixa uma certa desorientação no ar. Em especial no que diz respeito à trajetória do personagem Dinho, que sofre uma reviravolta que parece ficar perdida depois. Também Cleuza deixa a trama de um modo aquém do esperado. Em compensação, a trajetória de Dênis é a mais emocionante de todas, culminando numa belíssima e intensa seqüência em que o rapaz mostra toda sua desesperança e tristeza perante uma vida que não está lhe dando muitas opções. Já Dario segue um caminho até previsível (o que é apropriado, sendo ele um personagem passivo por natureza) enquanto Reginaldo dá vazão a toda sua rebeldia contida num momento de pura poesia. Talvez a intenção dos diretores tenha sido exatamente essa: deixar algumas trajetórias mais definidas do que outras, assim como alguns personagens são mais ativos na trama do que outros. Deixando as especulações de lado, o certo é que Linha de Passe é um ótimo filme.

Um comentário:

  1. Primeira crítica que leio sobre o filme e que é positiva. Pena que eu vou ter que encarar um cinema de péssima qualidade para assistir o filme.

    Abraço!!!

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