quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Última Parada 174 (Filme de Abertura do Festival)


A primeira vez que ouvi falar neste filme me perguntei por que cargas d'água Bruno Barreto estaria interessado em filmar de novo a história do cerco ao ônibus 174, considerando o ótimo documentário já realizado por José Padilha sobre o assunto. Depois de assistir a Última Parada 174, fica evidente que de parecido os dois longas só têm mesmo o título. E as diferenças vão muito além daquelas já existentes entre documentário e ficção. Última Parada 174 é um retrato da infância abandonada, da lei da selva, do inferno de estar sozinho no mundo. O episódio no ônibus, como já diz o título, é apenas a última parada de Sandro Nascimento, um rapaz de 22 anos no qual o Brasil estava acostumado a enxergar um monstro que causou a morte de uma inocente. Não que o filme transforme o personagem em santo, apenas coloca-o em uma dimensão humana.

O roteiro cria um paralelo entre dois meninos diferentes e inicia a história nos anos 80, quando Marisa tem o filho recém-nascido tirado dela por conta de dívidas de drogas. O menino, Alessandro, é criado por um traficante. A trama dá um salto de dez anos, para o momento em que a mãe de Sandro é assassinada durante um assalto. Desorientado, ele foge dos parentes e passa a viver na rua. Alguns anos mais tarde revemos Alessandro, que negocia drogas com os garotos de rua. Viciado em cola e praticante de pequenos furtos, Sandro sobrevive à chacina da Candelária. A princípio inimigos, os dois meninos acabam parceiros durante uma passagem pelo Instituto Padre Severino. Por ironia do destino, Marisa vê Sandro numa reportagem de TV e o confunde com seu filho. O final da história e o que acontece no 174 todo mundo já sabe.

O excelente roteiro de Bráulio Mantovani – também autor do script de Cidade de Deus e co-autor de Tropa de Elite – ajuda a imprimir bom ritmo ao filme, através de seus já característicos diálogos ágeis e com linguagem ultra-realista, com uma dose de humor que quebra a dureza dos temas abordados. Também é importante destacar que o filme mantém em alta a tensão e o interesse, ainda que já se conheça de antemão o inevitável desfecho de tudo. E neste caso, ao contrário de uma adaptação literária, provavelmente não existe um único brasileiro que não saiba do corrido.


Bruno Barreto, que pela primeira vez trabalhou com amadores e/ou atores de pouca experiência, foi ajudado por Rogério e Ricardo Blat na preparação do elenco. O resultado final não poderia ser melhor. Michel Gomes, que foi o Bené quando criança em Cidade de Deus, carrega o filme nas costas neste seu primeiro papel de destaque, ótimo nas duas faces de desamparo e fúria de Sandro. Outros destaques são Marcello Melo Jr e Gabriela Luiz, como Alessandro e Soninha. A naturalidade de ambos diante das câmeras é impressionante. Dentre os profissionais, impossível não se emocionar com Cris Vianna no papel de Marisa, a mãe postiça que adotou Sandro e foi a única a comparecer ao seu enterro. A personagem, aliás, é cativante. Alguns detalhes a diferenciam da mãe real, mas é comovente a trajetória dessa mulher que reencontrou a dignidade mas nunca se sentiu em paz sem o filho perdido. E, impossibilitada de encontrá-lo, abraça a ilusão de tê-lo em outro menino. Uma curiosidade no elenco é ver André Ramiro (o Matias de Tropa de Elite) no papel de André Batista, o policial do Bope que tentou negociar com Sandro e no qual o Matias era inspirado.

Mais que tudo, Última Parada 174 tem o mérito de não ser maniqueísta. O protagonista provoca sentimentos contraditórios no espectador, que se solidariza com sua vida triste mas, por outro lado, não consegue simpatizar totalmente com ele por conta de já saber o que acontecerá depois. E o que poderia ser uma fraqueza do filme acaba sendo um modo de manter a platéia presa à realidade, impedindo que suas emoções sejam manipuladas.

Vale lembrar que o filme é o candidato brasileiro na disputa por uma das cinco indicações a melhor filme estrangeiro no Oscar 2009. Há dez anos, Bruno Barreto teve um filme seu indicado nesta categoria (O Que é Isso, Companheiro?). Depois disso, ele fez coisas legais como Bossa Nova e outras nem tão legais como Voando Alto e Caixa Dois. Última Parada 174 parece simbólico, uma espécie de retorno do cineasta aos grandes temas. E quem sabe seu retorno também ao tapete vermelho de Hollywood. Vamos torcer.

Última Parada 174, de Bruno Barreto. Com Michel Gomes, Cris Vianna, Marcello Melo Jr., Gabriela Luiz. BRA, 2008. 110 min.

Nota: 8,0

3 comentários:

  1. Espero muito pelo filme. Bom saber que manda bem. O Bruno é craque nos roteiros, com ele já é meio caminho andado. Espero pela crítica de Burn After Reading!!!!

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  2. Pedro,

    O roteiro é do Bráulio Mantovani. O Bruno manda bem sim, mas é na direção.

    O longa dos Coen eu pretendo ver hoje à noite (se conseguir entrar).

    Abração!

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  3. Claro que é do Bráulio, confundi as coisas, hehehe.

    Torço para que tu entre, hehehe!!!

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